
Em 1899 Myrthes Gomes de Campos adentrou, pela primeira vez, o Tribunal do Júri do Rio de Janeiro. Não era só a primeira vez dela: era a primeira vez que qualquer mulher exerceria aquele ofício no Brasil. Diante de uma plateia lotada e defendendo um homem acusado de ter agredido um terceiro a golpes de navalha, Myrthes encantou a todos com o elevado saber jurídico, seu poder de argumentação, pela astúcia, e claro, pelo ineditismo da ação feminina.
Disse, na ocasião, a advogada: “Envidarei, portanto, todos os esforços, afim de não rebaixar o nível da justiça, não comprometer os interesses do meu constituinte, nem deixar uma prova de incapacidade aos adversários da mulher como advogada. (…) Tudo nos faltará: talento, eloquência e até erudição, mas nunca o sentimento de justiça; por isso, é de esperar que a intervenção da mulher no foro seja benéfica e moralizadora, em vez de prejudicial como pensam portadores de antigos preconceitos”
A exitosa primeira audiência virou notícia veiculada nos jornais da época e assunto frequente da sociedade, mas, ainda assim, foram necessários sete anos e a transposição de inúmeros obstáculos para que se consolidasse sua inscrição no Instituto dos Advogados do Brasil (órgão que antecedeu a OAB).
Em uma época em que as atuações femininas eram restritas às atividades do lar, a brilhante advogada foi pioneira na construção de um amplo legado jurídico e social, destacando-se sua atuação em prol de causas como a liberdade e emancipação feminina, incluindo o direito ao voto. Myrthes faleceu em 1963, podendo testemunhar em vida a promulgação da Lei n. 4.121/62, também conhecida como “Estatuto da Mulher Casada”, que garantiu, dentre outros avanços, que as mulheres pudessem se inscrever no CPF, permitindo-lhes trabalhar e empreender sem a permissão de seus cônjuges.
Em 15 de dezembro celebra-se o Dia da Mulher Advogada em homenagem à Myrthes Gomes de Campos e todas as outras que seguiram seu exemplo no Brasil. No país, as mulheres representam mais de 51% do quadro de inscritos na Ordem e, embora estejam em maior número que seus pares do sexo masculino, ainda enfrentam as mais diversas barreiras como a busca por protagonismo, a sub-remuneração, o machismo e dificuldades para conciliar a vida profissional – familiar.
Este ano a Ordem dos Advogados do Ceará elegeu Christiane Leitão como a primeira mulher a presidir a instituição desde sua fundação, em 1933. Uma vitória significativa para as advogadas militantes e uma importante representação de classe. A luta que Myrthes iniciou em 1899 está longe de ser encerrada, mas encontra, sob os auspícios da vitória de Christiane, um importante impulso para que nós, mulheres e advogadas, possamos alçar voos cada vez maiores, perseguindo nossos sonhos e objetivos.
