Um imposto só pode ser cobrado quando autorizado por lei. É um imperativo constitucional. Aqueles que fazem a lei são diretos representantes do Povo, com mandato para analisar os projetos de cobrança e rejeitá-los sempre que se mostrarem arbitrários ou de algum modo inconvenientes.
Quando o parlamento admite se submeter ao poder do rei não há lei, ou melhor, a vontade do rei passa a ser a lei. Isso ocorreu recentemente aqui, no Ceará, com a nova lei que regula o ICMS. O projeto foi enviado à Assembleia Legislativa em 19 de dezembro de 2023, no mesmo dia recebeu parecer favorável na Comissão de Constituição e Justiça, foi aprovado pelo Plenário no dia 27 e enviado para sanção do Governador. Findou publicado no Diário Oficial de 28.12.2023 (Lei nº 18.665, de 28.12.2023). Não houve notícia, análise, discussão e muito menos debate público.
A lei tem 198 artigos, cuida de todo o regramento do imposto mais importante do Estado e afeta significativamente a vida dos cearenses. Aumenta a alíquota para 20% que, em alguns casos, chega a 28%. Permite à Secretaria da Fazenda impor métodos indiretos e agressivos de cobrança, como suspender a inscrição do contribuinte no cadastro geral da Fazenda, e atribuir responsabilidade a terceiros pelo pagamento do imposto. Onera multas.
Em 2024 haverá não só o aumento do imposto, mas também o incremento dos meios coercitivos de cobrança, que costumam ser usados mesmo quando ao contribuinte cabe, ou deveria caber, o direito de defesa contra ilegais exigências.
A reforma tributária não justifica esse atropelo e algum benefício eventualmente contido na lei pode ser aplicado no tempo em que publicada. Apenas o aumento do imposto e das multas é que precisariam respeitar a anterioridade, ou seja, constar em lei publicada no ano anterior. Isso explica a pressa em publicá-la ainda em 2023, além da conveniência, ou melhor, do firme e deliberado propósito de não submeter ao debate as novas e graves exigências.
Exigir mais imposto e de forma mais agressiva se mostrou o objetivo prioritário, buscado e alcançado com muito maior afinco político que qualquer outro que venha a beneficiar a sociedade do Ceará. A garantia constitucional da legalidade tributária foi reduzida a mera formalidade de se obter, em seis dias úteis, o “de acordo” de submissos deputados no projeto elaborado às escuras nos gabinetes fazendários.
Não houve a necessária discussão pública inerente à lei e motivo de o parlamento existir. A situação lembra conto de Kafka, no qual um homem do campo morre diante da lei, depois de esperar muitos anos sem sucesso, por uma autorização de nela ingressar, não obstante a porta existisse apenas para ele.
O contribuinte foi surpreendido com essa novidade cara e violenta como ato consumado, quando tem o natural direito de participar das discussões que envolvem a tributação, até porque é ele quem paga a conta. Essa forma de cobrar imposto não é democrática, ao contrário, é medida de força extremamente autoritária.
Schubert de Farias Machado
Presidente do Instituto Cearense de Estudos Tributários – ICET. Advogado.