Por que importa
O novo mandato de Donald Trump vai além das bravatas. Ele reescreve, em tempo real, não só a política econômica e externa dos EUA, mas o próprio contrato social do país. Como revela Dana Milbank no Washington Post, o presidente governa como se estivesse no século XIX — e com orgulho disso.
Sandices em série: o governo Trump como um experimento retrógrado
🔻 Tarifas como forma de autossabotagem
Trump impôs tarifas escorchantes sobre importações da China (145%), com retaliações de 125%. Também subiu impostos sobre produtos do México, Canadá e sobre todo o resto do mundo.
“Nosso país teve seu momento mais forte, acredite ou não, de 1870 a 1913”, disse Trump, justificando a política. “Sabe por quê? Era tudo baseado em tarifas.”
Mas o plano desmoronou em dias. Com os mercados em queda livre, o presidente recuou — e de forma desastrosa. O próprio Representante Comercial, Jamieson Greer, foi pego de surpresa:
“Sei que a decisão foi tomada há alguns minutos”, disse ele, ao depor no Senado enquanto a decisão era revertida.
A explicação do próprio Trump?
“Bem, eu pensei que as pessoas estavam saindo um pouco da linha. Estavam latindo mais alto, sabe?”
🔻 Orçamento destrutivo, até para os aliados
Trump pressionou aliados a aprovarem uma resolução orçamentária que, segundo o deputado Chip Roy (Texas),
“foi escrita por legisladores que não conseguiriam passar numa prova de matemática”.
Ela adiciona US$ 7 trilhões à dívida e corta apenas US$ 4 bilhões.
“Destruirá este país”, disse Roy.
“Não é séria”, disse o deputado Lloyd Smucker (Pensilvânia).
“Sem seriedade e decepcionante”, completou Jodey Arrington, do Texas, presidente do Comitê de Orçamento.
Ainda assim, Trump insistiu:
“Fechem os olhos e fechem o negócio!”
Retrocesso histórico explícito
🔋 Carvão como símbolo do futuro
Em pleno 2025, Trump assinou ordens para “turbinar a mineração de carvão”, usando mineiros uniformizados como pano de fundo.
“Eles adoram extrair carvão”, disse.
“É a forma de energia mais confiável, durável, segura e poderosa que existe na Terra hoje.”
🦠 Saúde pública no século errado
Seu secretário de Saúde, Robert F. Kennedy Jr., promove tratamentos caseiros e desestimula vacinação, mesmo com surtos de sarampo.
Propôs “vitamina A” (que causou overdoses em crianças) e nebulização com “budesonida e claritromicina” — sem comprovação científica.
Está removendo o flúor da água potável e bloqueando pesquisas contra o câncer.
Demitiu especialistas em envenenamento por chumbo e abandonou o controle de doenças infecciosas.
Trump como imperador informal
🇺🇸 Política externa no estilo imperial do século 19
Trump propõe intervenções ou “ações especiais” na Groenlândia, no Panamá e até no Canadá.
O Washington Post resume: “Make America Imperialist Again”.
🛂 Xenofobia institucionalizada
Sua administração revogou vistos de estudantes, perseguiu imigrantes pelas redes sociais e deportou até cidadãos americanos por engano.
Criou um “cartão dourado com seu rosto”, que permite a compra de cidadania americana por US$ 5 milhões.
“Por US$ 5 milhões, isso pode ser seu”, disse Trump.
⚖ Autoritarismo jurídico e perseguição
Mandou investigar ex-funcionários que o criticaram, acusando-os de “traição”.
Ordenou ao Congresso que assuma o controle das eleições — rompendo com a Constituição.
“Os estados são apenas agentes do governo federal”, declarou.
A Suprema Corte chegou a suspender decisões do Executivo, mas juízes nomeados por ele refizeram as ordens em instâncias inferiores.
Clientelismo e culto à personalidade
🍪 Biscoitos e bajulação
O Secretário do Interior, Doug Burgum, exige que funcionários assem biscoitos para ele — e refaçam quando “abaixo da média”.
Na reunião de gabinete, membros disputam elogios:
“Estar aqui é a maior honra”, disse a secretária de Agricultura, Brooke Rollins.
“Vocês reuniram um ponto de inflexão na história americana”, disse outro.
🛁 Chuveiros presidenciais
Trump assinou um decreto para aumentar a pressão nos chuveiros.
“Gosto de tomar um bom banho, para cuidar do meu lindo cabelo.”
🏌️ Golfe acima de tudo
Enquanto a economia mundial sangra, Trump celebra vitórias no campeonato do clube da Flórida:
“Estão sabendo que eu venci, né?”, disse ele aos repórteres no Air Force One.
O que está em jogo
“Estou vendo a repetição de coisas que nunca imaginei ver novamente”, diz o historiador Richard White (Stanford).
“O que vivemos lembra as décadas de 1880 e 1890: oligarcas dominando o Estado, supremacia branca, ataques à liberdade de imprensa, saúde pública desmantelada, e uso do governo para punir inimigos.”
Entrelinhas
A volta ao século XIX não é metáfora — é projeto. Com tarifas protecionistas, imperialismo tosco, políticas de exclusão, revisionismo histórico e um sistema de clientela pessoal, Trump faz dos EUA uma caricatura do próprio passado.
“Eu sei o que diabos estou fazendo”, garantiu ele.
Mas ninguém mais parece acreditar.