O custos legis do Ministério Público na salvaguarda de crianças influencers. Por Frederico Cortez

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Frederico Cortez é advogado, sócio do escritório Cortez & Gonçalves Advogados Associados.

Por Frederico Cortez

A Constituição Federal de 1988 assegura a proteção da criança e da juventude, sendo esse poder-dever do Estado um direito indisponível, como assim assegura o art. 227 em seu caput.  Nesta mesma coluna legal, onde a Carta Magna dispõe ao Estado a sua obrigação à criança e ao adolescente o direito à profissionalização, pela via reflexa impõe a devida contrapartida de salvaguardar qualquer forma de negligência, exploração e violência. Assim, o Ministério Público tem a missão em atuar na defesa dos interesses sociais e dos interesses individuais indisponíveis.

O fantástico mundo digital das redes sociais tem nos apresentado atrações incríveis e engraçadas, onde cada vez mais constante a presença de crianças na condição de “digital influencer”. Por trás de diálogos divertidos, dancinhas e demais performances que chegam alcançar milhões de curtidas, há uma cortina que segrega o lado infantil dessas mesmas crianças. A profissionalização digital de crianças é regida em sua grande maioria pelos seus pais e/ou mães, onde em razão da ausência de barreiras burocráticas e legais no meio virtual, as redes sociais revelaram ser um verdadeiro picadeiro de atrações. Lembremos, que nada disso é gratuito, onde as famosas “publi” (publicidade) remuneram os perfis de acordo com a taxa de engajamento orgânico, por meio de curtidas, comentários e compartilhamentos de cada perfil.

Como um mero espectador e sem muito se importar com o que acontece em sua volta, as instituições públicas permanecem silentes e ignorantes quanto a real gravidade sobre a presente temática, aplaudindo toda essa exploração infantil virtual de forma tácita. Em 2019, um estudo científico promovido pela entidade britânica The Royal Society for Public Health (RSPH) concluiu que “as redes sociais são tão viciantes quanto álcool e cigarro e, entre elas, o Instagram foi avaliado como a mais nociva à mente dos jovens”.

No que pese ao dever legal do distinto órgão ministerial, pouco ou nada se tem visto no combate aos exageros das exposições de crianças no Instagram, por exemplo. Notório que ao assistirmos postagens tidas por “engraçadinhas” e “surpreendentes” e diante da tamanha desenvoltura do “profissionalismo” desempenhada pelas crianças influencers, não mais visualizamos ali uma “criança” e sim um produto muito bem embalado e pronto para a sua comercialização. Soma-se ainda o efeito cascata em demais crianças que não fazem parte deste habitat digital, onde se acham na obrigação também de serem “engraçadinhas” e “surpreendentes”. Aqui, em caso de insucesso, grande probabilidade de uma instabilidade emocional por meio de frustração em não alcançar o “sucesso” das crianças famosas do Instagram.

A legislação brasileira é muito clara quanto ao papel do parquet, mormente ao que preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90). Acrescentemos ainda que, a própria Lei Orgânica Nacional do Ministério Público vaticina logo em seu primeiro artigo que “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (leia-se: interesses da criança e do adolescente).

A questão que chamo ao debate neste escrito não é o do cerceamento de perfis com vídeos de crianças nas redes sociais, mas sim, a responsabilidade sobre essa exposição cuja meta é tão somente comercial e nada mais. Devemos fazer de nossas crianças um produto comercial digital? Qual custo emocional para essa criança influencer e todas as demais?  De certo até mesmo para o senso comum, que uma criança ainda não tem a sua formação psíquica formada antes da sua primeira década de vida.

O “engraçado” e “surpreendente” das crianças influencers podem até ter um efeito positivo do ponto de vista financeiro, para seus pais e mães. Todavia, o que estamos presenciando e testemunhando é um verdadeiro sequestro de uma fase doce e ingênua de uma vida que não tem preço e que não retroage com o tempo, ainda que bata o arrependimento no futuro.

O Ministério Público não deve ser provocado para agir em especial neste caso, pois a Lei já o dota desse impulso oficial, assumindo assim a sua condição de custos legis (fiscal da lei). Cabe a sociedade também fazer essa “cobrança” para o cumprimento da legislação afeita à criança e ao adolescente, para assim garantir a necessária blindagem para a saúde mental de nossas crianças.

Criança deve ser criança, e ponto!

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