
Por Bruno Queiroz
Post convidado
Em nosso ordenamento jurídico a Polícia Judiciária exerce uma das funções de maior relevância no Estado Democrático de Direito tendo em vista sua missão constitucional de apurar infrações penais e, desse modo, permitir o fornecimento de elementos de prova fundamentais para o combate a todas as formas de criminalidade.
Conforme a legislação processual brasileira, o inquérito policial deverá ser encerrado e encaminhado no prazo 10 (dez dias) estando o indiciado preso em flagrante ou preventivamente e, quando solto, mediante fiança ou sem ela, terá a autoridade policial o prazo de 30 (trinta) dias. Existem algumas variações, como por exemplo, no âmbito da Justiça Federal, pois nesse caso o prazo é de 15 dias, se o acusado estiver preso, podendo ser prorrogado por mais 15 dias, conforme art. 66 da Lei 5.010/66.
Em se tratando de investigado solto, por sua vez, sabe-se que não existe prazo absoluto para o término da investigação criminal, razão pela qual o princípio da razoabilidade e o princípio do estado de inocência devem sempre ser observados, como bússola regulatória de atos tais, vale dizer, nesses casos a doutrina e a jurisprudência admitem a prorrogação de prazos para a finalização das diligencias necessárias à conclusão das investigações, desde que haja pedido bem fundamentado nesse sentido.
Ocorre que não tem sido incomum a existência de inquéritos policiais tramitando há cinco ou seis anos sem a devida conclusão, especialmente em investigações acerca dos crimes econômicos. Nesses casos, não se nega que existe uma complexidade maior decorrente da própria dinâmica desse tipo de criminalidade, muitas vezes perpetrada dentro de estrutura empresarial de grande porte, porém, uma investigação que ultrapassa o prazo de cinco anos sem conclusão fere qualquer parâmetro de razoabilidade além de caracterizar uma indiscutível mácula ao princípio da duração razoável do processo já consagrado na Constituição Federal de 1988 e tratados internacionais de direitos humanos, a exemplo do Pacto de San José da Costa Rica e da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais.
Por certo, em algumas situações, a Polícia Judiciária possui apenas a informação da existência do delito, sem indícios sobre a autoria e provas da materialidade. Nesses casos, existe possibilidade de uma maior flexibilidade para a fundamentação dos pedidos de prorrogação, mas se depois de a investigação tramitar durante cinco ou seis anos e ainda assim não houver elementos para o indiciamento de qualquer investigado, a autoridade policial deveria relatar a situação e encaminhar os autos para Ministério Público, o qual deverá requerer o arquivamento do inquérito.
Merece registro ainda o fato de que o encaminhamento de inquéritos policiais ao Ministério Público ou ao Poder Judiciário com pedidos de prorrogação de prazo, nos casos em que não há suspeito, mostra-se medida descabida e injustificada, com grave mácula ao princípio da eficiência. Ora, parece mesmo contraproducente a circunstância de a Polícia Judiciária permitir que esses inquéritos policiais natimortos absorvam a mesma quantidade de tempo e recursos das demais apurações. Nessa mesma linha, não se pode olvidar que qualquer investigação tende a ser mais eficiente quando a autoridade policial coleta elementos de prova mais próximos do momento da ocorrência do crime.
Não menos graves são os casos de tramitação de inquérito policial com evidente excesso de prazo, nos casos em que existe alguém claramente figurando na qualidade de indiciado ou investigado pela prática de suposto crime. Em tais hipóteses o investigado fica sujeito a sofrer as consequências de eventuais medidas cautelares, a exemplo de requerimentos de busca e apreensão e pedidos de prisão temporária em inquéritos policiais que já deveriam ter sido objeto de pedidos de arquivamento pelo próprio Ministério Público. Não sem razão a jurisprudência admite o trancamento do inquérito policial por incidência do Princípio da Razoável duração da Investigação, em casos desse jaez.
Em um grau de maior ilegalidade e violação dos direitos fundamentais do investigado, o excesso de prazo injustificado na condução do inquérito policial poderá caracterizar crime de abuso de autoridade, previsto no artigo 31 da Lei 13.869/2018, pois estender injustificadamente a investigação, procrastinando-a em prejuízo do investigado ou fiscalizado figura dentre as figuras típicas da referida lei. Certamente que nem sempre o excesso de prazo irá caracterizar o crime de abuso de autoridade, embora o caso possa recomendar o manejo de habeas corpus para trancamento do inquérito. No caso concreto tais circunstâncias devem ser objeto de sopesamento.
Também não se escusa o Estado invocando o volume excessivo de demandas, já que se acha constitucionalmente obrigado a aparelhar o serviço público de modo a cumprir, e fazer cumprir, todos os direitos fundamentais, inclusive o de garantir o acesso à justiça, dentro dos parâmetros do devido processo legal. Afastar-se dos parâmetros formais e temporais do devido processo legal corresponde a negar vigência às garantias fundamentais dos incisos XXXV e LIV da Constituição. Equivale, ainda, a violar o dever fundamental de prestar os serviços públicos segundo a legalidade e de maneira eficiente (CF, art. 37, caput).
Demais disso, a garantia constitucional de duração razoável para a conclusão dos processos e das investigações não corresponde a uma norma programática, mas a um preceito implantado com definitividade e eficácia plena e imediata, como, aliás, se passa com todas as garantias e direitos fundamentais (CF, art. 5º, §1º)
Ao fim e ao cabo, o direito fundamental à duração razoável do prazo de investigação do inquérito policial não pode ser negado ou violado pelo próprio Estado a quem a Constituição incumbiu a função não só de proclamá-lo, mas sobretudo de implementá-lo e fazê-lo respeitar em todos os procedimentos conduzidos pela Polícia Judiciária ou por outro órgão com poderes investigativos.







