OMNES OMNIBUS. Por Angela Barros Leal

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Ônibus. Foto: Freepik
Ônibus. Foto: Freepik

Roda, ônibus, com teus quatro, cinco, sete pneus, teus dois eixos, quatro eixos, teus cinco ou seis cilindros, teu número X de passageiros sendo levados por ti do ponto A ao ponto Z no mapa estendido do nosso limitado mundo.  

Roda durante o dia, compactado entre tantos como tu, no movimento do trânsito, unido a outros iguais em força, presença e tamanho. Juntos, são manadas de elefantes pisoteando as trilhas afundadas que criaram no asfalto velho. São um tropel de cavalos – 370, 450, 500 deles trovejando os cascos inquietos no chão marcado. São o bufar revigorante do teu freio de ar comprimido, parando para respirar em cada sinal vermelho.

Quem espera cumpre o relógio, obedece aos locais de parada, entende os letreiros na tua testa. E descansa o passo sob a sombra de uma árvore, acomodado embaixo de um abrigo de concreto, enfileirado atrás da linha reta de um poste, aguardando na hora marcada a sinalização para o embarque. 

Segue, e roda estrada afora, deslizando em pistas luzidias, de sinalização perfeita, ou corcoveando sobre buracos, crateras, mata-burros e lombadas, engolindo as léguas que vierem à tua frente nas rodovias maltratadas. 

Sobe e desce cadeias de montanhas, atravessa pastos, avança acima de rios e corredeiras, roda de noite a dentro, desatento à imensa tenda de estrelas cadentes e constelações que acima de ti se desembrulham e se desdobram – Órion, Coroa Austral, Cão Maior –, sem medo do escuro, indiferente ao que sinalizam as luzes do firmamento, para não retardar tua jornada. 

Dispara teus faróis como dois cones de fogo, abrindo caminho na língua estendida das ruas, das estradas, desenhando luz e sombras nos morros, nas matas, nos muros dos cemitérios, nos crucifixos das igrejas, nas pracinhas dos enamorados, no casario das pequenas cidades que cruzas em tua marcha. Qualquer marco pode ser teu ponto de partida ou desembarque. Dispara tua buzina, teu grito, teu brado, que avisa tua necessária ultrapassagem, teu berro no anúncio da chegada.

Escuta o que se passa à tua volta, o que passa zunindo pelas tuas janelas: é essa curva, essa ponte, é esse túnel, essa ladeira, é essa rotatória, essa reta, é aquela. O que passou já era.

(Do passado, vêm a fala sem rima dos modernistas, poetando os movimentos de um progresso interligado à urgência nos deslocamentos.)

(Manuel Bandeira, se deixando conduzir a toda pelo avanço ritmado do Trem de ferro: “Café com pão/ café com pão/ café com pão/ Virge Maria, que foi isto maquinista?”. Cecília Meireles, mergulhando na delicadeza de sua Canção: “Pus o meu sonho num navio/ e o navio em cima do mar;/ – depois, abri o mar com as mãos,/ para o meu sonho naufragar.” Murilo Mendes, modernizando os céus de guerra com o seu O farrista: “O anjo transpôs a barra,/ diz adeus a Pernambuco, faz barulho, vuco-vuco, tal e qual o zepelim.” Drummond, simplificando o carro no poema Cota zero: “Stop,/ A vida parou/ ou foi o automóvel?”. João Cabral de Mello Neto, polindo as pontas agudas de mais um de seus secos enredos, mal disfarçando o encantamento com a Terra avistada De um avião: “O avião agora mais alto/ se eleva ao círculo terceiro,/ folha de papel de seda/ velando agora o texto./ Uma paisagem mais serena,/ mais estruturada, se avista:/ todas, de um avião,/ são de mapa ou cubistas.”)

Não cantaram a ti, e se não te dirigiram a vista, é porque tens os pés na terra e a alma ligada à pista, que riscas como uma ponta de faca, constante, seguro e fundo. Balanceado, calibrado, alinhado, conduzes almas peregrinas daqui para lá, dali para cá, de cá para mais além: pernas inquietas são o que te convém. Omnes omnibus, para todos és tudo. Rodas até teu ponto, teu pouso certo, sempre em casa no meio do mundo.

 

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