
“Nada neste mundo supera a boa e velha persistência. Talento não supera. Não há nada mais comum que talentosos fracassados. A genialidade não supera. Um gênio desconhecido é praticamente um clichê.”
Se você viu o filme “Fome de Poder” (The Founder) deve lembrar desse monólogo de Michael Keaton no papel de Ray Kroc, que passou de vendedor de quinquilharias a fundador de um império chamado McDonald ‘s. O discurso em defesa da persistência tem um porquê: Kroc só conseguiu se tornar um grande empresário após os cinquenta anos de idade, depois de muitas tentativas. Se você não assistiu ao filme, acaba de ganhar alguns spoilers e ao mesmo tempo um bom motivo para ver. É a melhor cena de todas.
A persistência que Keaton celebra em seu discurso – na verdade, fala emprestada de Calvin Coolidge, um ex-presidente americano – tem turbinado as redes sociais. Muitas vezes, diga-se de passagem, vira cantilena defendida e propagada por quem nunca fritou um hambúrguer. Por outro lado, o tema também tem sido objeto de pesquisa e análise séria de várias áreas do conhecimento, seguindo rigorosa metodologia acadêmica, daquele jeitinho americano que a gente conhece.
Dentre os estudos, destaca-se o trabalho da professora de psicologia da Universidade da Pensilvânia, Angela Duckworth. A sua tese acabou virando um best seller chamado “Garra”, que nasce justamente da observação sobre um tipo de perseverança feroz que reúne duas qualidades básicas: esforço acima da média e conhecimento sobre aonde se quer chegar. Trocando em miúdos, a persistência do Ray Kroc e a certeza daquilo que almejava.
Nas suas pesquisas, a professora derruba a crença de que o talento é mais importante do que a garra, do que o esforço. Observa que não são os menos aptos que desistem de algo, mas os mais resignados. Através de estudos, conclui, por exemplo, que adultos com MBA, doutorado e mestrado possuíam um grau de garra maior do que pessoas que apenas completam a graduação. Ela atribui isso à propensão para começar e terminar algo, a despeito das dificuldades que possam existir. Tem muito a ver com, Bethâniamente falando, exercitar a arte de sorrir cada vez que o mundo te diz não.
Nesse sentido, o talento deixa de ser algo inato, um poder sobrenatural, para se tornar mundano e palpável. Você há de convir que o talento tal como conhecemos exerce um certo fascínio na humanidade. Antes de mais nada, porque fomos educados a ver apenas aquele fragmento de brilhantismo, esquecendo que, por trás de toda sapatilha de balé nova, há pés e dedos bem maltratados.
Depois, porque é reconfortante saber que o vizinho tem um “dom sobrenatural” e nós não. Isso faz com que pensemos: “não adianta eu me esforçar porque nunca vou chegar a esse nível de excelência, já que é algo inato e por isso inalcançável. Então eu vou ficar aqui, no meu feijão com arroz.”
Mas será que é assim mesmo?
O ex-jogador Cafu é o único atleta do mundo a ter participado de três finais de Copa do Mundo, em 1994 (saudades, Romário), 1998 e 2002. Ganhou dois títulos, um deles como capitão do time. O que o Tino Marcos não conta para o Galvão é que o Cafu foi reprovado, no início da carreira, em nove peneiras. Nove. Quantos de nós queríamos ter levantado a taça do penta? Quantos de nós teríamos desistido na segunda ou terceira porta na cara?
Seguindo no esporte, um comercial da Under Armour abordou de forma brilhante essa questão, ao mostrar a rotina de treinos do “sobrenatural” Michael Phelps, o nadador americano que tem 28 medalhas de ouro em olimpíadas (o Brasil tem 4 ao todo).
Quem vê o vídeo chega a duvidar se o que ele vive é treinamento ou uma tortura consentida. Só no fim, vem o instante de glória que todos conhecemos e desejamos. “O que você faz na escuridão é o que coloca você sob a luz.” conclui a peça.
Sintetizando o pensamento da professora Duckworth, o talento é então um somatório de dotes intrínsecos sim, mas também de experiência, inteligência e não menos importante: de caráter. O que vai produzir a excelência não é nenhuma varinha de condão, mas a capacidade de fazer a coisa certa, do jeito certo, de forma sistemática, ainda que nem sempre brilhante.
No meio do caminho, haverá percalços, ela diz. E junto aos percalços, a tentação de desistir ou sucumbir à autocomiseração, de sentir pena de si mesmo. Garra é justamente o contrário. Tem a ver com engolir o choro e seguir adiante, sabendo que a linha de chegada não vai estar nos primeiros cem metros e talvez nem nos 41.900 metros restantes.
Muito antes da onda coach, de perfis motivacionais no Instagram, Fernando Pessoa já dava o recado: quem quer passar além do Bojador tem que passar além da dor. Ray Kroc completaria: vale a pena.
Três perguntas para mexer com o seu juízo (extraídas do livro Garra):
1. Eu termino tudo que começo?
2. Obstáculos me desestimulam? Desisto com facilidade?
3. Meus interesses mudam de ano para ano?