Por Italo Aragão
Post convidado
Os tumultuados acontecimentos recentes na jovem democracia brasileira têm suscitado debates e questionamentos em diversos meios sobre a possibilidade de estarmos diante do risco de um colapso democrático, com o retorno a tempos de autoritarismo. No entanto, como ocorre o declínio das democracias e, mais importante ainda, como podemos evitar tal desfecho?
A resposta a esse complexo questionamento não surge apenas na ciência política ou jurídica, mas também na literatura inglesa. Na peça “Henry VI” de Shakespeare, o personagem Dick the Butcher declara: “A primeira coisa a fazer é matar todos os advogados”.
Isso se deve ao fato que a advocacia, reconhecida como função essencial à Justiça pela Constituição Federal (art. 133), possui em seu juramento solene o compromisso de “[…] defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático, os direitos humanos […]”, representando não apenas a gestão dos direitos de seus constituintes, mas também a salvaguarda do próprio Estado Democrático de Direito.
Nesse contexto, as prerrogativas da advocacia, especialmente previstas no art. 7º da Lei Federal nº. 8906/94, não surgem como privilégios de uma classe especial, mas sim como ferramentas para o exercício pleno e destemido da profissão, permitindo a ampla defesa sem restrições.
Não por acaso, situações que anteriormente seriam consideradas absurdas tornaram-se corriqueiras na prática advocatícia. Desde dificuldades no acesso a autos sigilosos até negativas de atendimento, passando por vetos à formulação de quesitos em inquéritos policiais e chegando ao extremo da quebra de sigilo de advogados sem a observância dos requisitos legais mínimos.
Essas situações são reflexos do punitivismo que aflorou na sociedade nos últimos anos, levando a uma confusão equivocada entre investigados e defesa técnica, com uma dificuldade em distinguir a relação entre Advogado e Cliente, como se o advogado fosse de alguma forma cúmplice dos atos sob investigação.
Diante desse cenário, é imperativo que a advocacia atue, como bem ensinado por um colega veterano, com altivez, sem, contudo, cair na arrogância. Aqui, vale a pena relembrar a lição de Sobral Pinto: “A advocacia não é uma profissão para covardes”.
Por outro lado, a gentileza e urbanidade exigidas nas relações interpessoais e, em particular, pelo Código de Ética e Disciplina da Advocacia, não podem ser confundidas com subserviência em relação aos agentes públicos em geral. Importa lembrar que não existe hierarquia entre a advocacia e as demais carreiras jurídicas (Art. 6º, Lei Federal nº. 8906/94).
Além disso, é essencial manter uma consciência de classe efetiva. Muitos questionam a postura da OAB como se fosse uma instituição onisciente, onipresente e onipotente. No entanto, o que a Ordem dos Advogados representa senão a união de advogadas e advogados em busca da defesa dos interesses da classe?
A defesa da democracia, por meio da proteção das prerrogativas da advocacia, é responsabilidade de cada membro inscrito na Ordem. Isso envolve tanto a participação ativa nas atividades da OAB quanto a comunicação de quaisquer violações ao sistema de defesa das prerrogativas.
Ademais, é fundamental manter uma postura institucional sólida, firme e intransigente diante das violações das prerrogativas, algo que a Ordem dos Advogados tem demonstrado nos últimos tempos, após um período de inércia gradualmente superado.
Casos emblemáticos, como o pronto desagravo público em apoio ao advogado Cristiano Zanin, agredido verbalmente e ameaçado no Aeroporto de Brasília, evidenciam um trabalho efetivo em prol da defesa das prerrogativas.
De maneira semelhante, a Ordem dos Advogados do estado do Ceará, tanto através do Tribunal de Defesa de Prerrogativas e Valorização da Advocacia quanto do Conselho Estadual, tem atuado de forma determinada e contemporânea na busca por coibir quaisquer cenários de violação. Isso inclui a aprovação de diversas representações na CGD, CNMP e CNJ, bem como a apresentação de pedidos de cassação por quebra de decoro parlamentar contra vereadores no interior do Estado. Repita-se: a defesa de prerrogativas, em última instância, é a defesa do próprio Estado Democrático de Direito, devendo a advocacia, individual ou em classe, manter-se atenta e altiva contra qualquer possibilidade de sua violação.