“Os homens jamais praticam o mal com tanto fervor e prazer como quando o fazem por convicção religiosa”, advertia Blaise Pascal.
O avanço tecnológico nos deu uma das maiores conquistas da inteligência humana: a imagem televisiva. Porém, o que nasceu como instrumento de educação e cultura foi rapidamente convertido em um palco de ruídos e banalidades. Entre novelas medíocres, programas de auditório vulgares e debates de histeria coletiva, também floresceu uma tribuna: a disputa pelo domínio da fé religiosa. Dali brotam infiéis contemporâneos, pregadores travestidos de pastores e apóstolos, mercadores de Deus que transformaram a religião em comércio.
Nos templos erguidos com tijolos de vaidade, chegam aos montes os fragilizados — gente ferida pela vida, carente de sentido, facilmente seduzida por promessas de paraíso imediato. Ali, o ilusório fala mais alto diante da secura do corpo e da alma. O Evangelho já advertira: “Porque muitos virão em meu nome, dizendo: Eu sou o Cristo; e enganarão a muitos.” (Mateus 24:5)
Vivemos essa profecia: falsos cristos, falsos pastores, falsos milagres. Cegos enxergando, incapacitados de andar caminhando, demônios expulsos em transmissões ao vivo. Animadores são ovacionados, aplaudidos de pé e de joelhos. A idolatria é o pior de todos os males, sobretudo quando se infiltra na miséria dos humildes, incutindo neles o terror de um castigo superior. Nietzsche já dizia, ao falar da crença manipulada: “A fé é não querer saber a verdade.” E é nesse desespero que tantos se entregam à manipulação de charlatães.
Nos chamados Tempos Modernos, mudaram apenas as ferramentas — não o coração da selvageria. As redes sociais ampliaram a visibilidade, transformando profetas em estrelas globais. Como nos adverte a Escritura: “Pelos seus frutos os conhecereis.” (Mateus 7:16) E que frutos podem nascer? Os regados pelo medo e pela ambição. É o púlpito dos impiedosos.
O rádio, refúgio tradicional de quem busca notícias, debates, música ou futebol, também foi tomado por uma avalanche de pregações. Sou ouvinte — não por nostalgia, mas porque acredito no valor das ondas sonoras. Nas transmissões, oradores disputam almas como quem disputa tesouros, enchendo a programação com vozes que transformam o altar em vitrine. Pouco importa o que anunciam — há mais ruído que palavra. Ainda assim, neste vendaval, há programas religiosos que permanecem fiéis à essência da fé.
Não se pode, contudo, esquecer os de boa fé: homens e mulheres que preservam a essência do sagrado em pregações marcadas pela liturgia bíblica, longe das luzes dos palcos apelativos. Eles existem, mas não são midiáticos — e, por isso, são deliberadamente ignorados. Na lógica cruel da audiência, só ganha espaço quem grita mais alto, mesmo que o grito seja vazio — ou recheado de promessas absurdas, como a venda de sementes milagrosas que supostamente matariam um vírus em tempos de pandemia.
No meio desse bombardeio voraz de homens oportunistas, uma pergunta é inevitável: haverá salvação? Sim — desde que escolhamos o caminho da lucidez e recusemos as promessas de um paraíso fácil, onde tudo desceria pronto do Céu.
O peso da vida, com suas dores e desafios, é justamente o que nos impulsiona a caminhar rumo ao desconhecido. E talvez aí resida a verdadeira fé: aquela que nasce no silêncio da consciência e não no barulho dos altares midiáticos. Escutei em algum momento da minha vida: “Ora na quietude do teu quarto.”
