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Queremos resolver ou reclamar? Por Uinie Caminha

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Uinie Caminha é advogada. Sócia de BMC Advogados. Doutora em Direito Comercial pela USP, professora Titular da pós-graduação da Unifor e Adjunta da Universidade Federal do Ceará.

Por Uinie Caminha
Post convidado

Não é novidade que a tecnologia modificou o perfil, a estrutura e a funcionalidade de todas as profissões em nosso tempo. Seja pelo modo de produção, prestação dos serviços, ou seja, pela divulgação de produtos ou resultados, não há profissão que ainda seja exercida nos mesmos moldes de 20 anos atrás… na verdade, no caso de alguns ofícios, não se encontra mais o próprio mister, seja porque muitos produtos se tornam obsoletos, seja porque algumas funções podem ser exercidas de maneira mais eficiente por uma máquina ou um sistema.

Negar essa realidade ou tentar revertê-la não é uma opção. Pode-se, no máximo, retardar sua consolidação em algumas áreas, mas, claramente, aqueles que não se jogarem contra a correnteza terão maiores chances de sucesso. Certamente, com a advocacia não é diferente… apesar de por vezes nós advogados nos considerarmos insubstituíveis ou confiarmos que o fato de estar escrito em uma Lei – ainda que seja a Constituição – que somos essenciais à Justiça. O fato é que, por diversas razões, mais que conhecer leis ou defender causas a qualquer custo, o advogado hoje tem que saber resolver problemas. Às vezes, e preferencialmente, fora do Poder Judiciário. A escolha da estratégia de resolução é mais importante que o processo e, por isso, a pergunta é pertinente: queremos reclamar (quando avaliados todos os riscos – inclusive de uma “não solução”, acorremos ao Judiciário) ou resolver o problema, por meio de escolhas racionais?

Não há como se negar que a litigiosidade do Brasil é impressionante. Os dados compilados na plataforma Justiça em Números, do CNJ e no Observatório Digital dos Litígios Judiciais no Brasil, da Associação Brasileiro de Jurimetria – ABJ- mostra que o Brasil é um dos países com maior número de processos por habitante. Temos o maior Tribunal do planeta (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo) e o maior número de faculdades de Direito e advogados também.

A alta litigiosidade no Brasil não tem como causa um só fator, e isso decorre até mesmo do alto grau de analiticidade da nossa Constituição, e, portanto, sua reversão depende de algumas decisões que poderão surtir efeitos nos anos futuros.  Desincentivos econômicos a condutas e litígios temerários e maior treinamento nos cursos de Direito para resolução não litigiosa de conflitos seriam um bom começo. Isso é especialmente verdadeiro em Direito dos Negócios.

A advocacia, especialmente, deveria ser preparada para tentar resolver problemas de seus clientes de maneira mais pragmática… considerando os custos envolvidos vis a vis a adequação das soluções finais impostas pelo Judiciário. Esses custos não dizem respeito apenas a aspectos pecuniários, mas àqueles ligados ao tempo despendido, ao consumo de energia que poderia ser empregada em geração de riqueza, na geração de precedentes maléficos e ainda, mas não menos importante, ao risco de a solução final não ser eficiente, adequada ou ao menos matematicamente coerente.

Até hoje, mesmo depois de mais de 20 anos de magistério superior em graduação, especialização, mestrado e doutorado, causa-me espanto a mentalidade litigiosa dos estudantes de Direito, e esse espanto aumenta quando noto esse animus em empresarialistas. Sabe-se que, no Direito dos Negócios, tardar é falhar… exceto nos casos em que a falha é o que se pretende, o que, poder óbvio, não pode ser incentivado. Assim, submeter casos de Direito Contratual Empresarial, Direito Societário ou Mercado de Capitais ao Judiciário parece bem mais uma estratégia suicida que uma decisão racional para resolução de conflitos. Há, claro, exceções, mas exatamente porque a regra é tão clara, elas acabam se perdendo no meio de processos desastrosos para as partes.

A decisão não ponderada de levar questões empresariais ao Judiciário não traz impactos apenas para os empresários envolvidos, mas a todo um “feixe de contratos” que, na expressão de Ronald Coase, constitui uma empresa. Diferentemente das relações tipicamente civis, nas quais se pode facilmente rastrear as consequências boas ou ruins do deslinde de um litígio, em Direito dos Negócios as externalidades oriundas de precedentes podem se espalhar em cadeia e virtualmente acabar com mercados.

Meu palpite é que para ser bem-sucedido como advogado empresarialista nessa era de inteligência artificial generativa, que em muitos casos (e que bom!) pode nos substituir, devemos mais que qualquer outra coisa saber resolver problemas… transformar os problemas dos clientes em nossos problemas ou mesmo problemas do judiciário só acrescenta mais alguns à pilha do cliente.

Uma das máximas da Análise Econômica do Direito é a de que, na ausência ou, sendo isso impossível, no caso de custos de transação baixos, as partes vão encontrar a solução eficiente independentemente da norma aplicável ao caso. Claro que, apesar de limitada, esse postulado depende de alguma racionalidade, que é difícil encontrar quando se envolvem aspectos emocionais.

Brigas de sócios em muito se assemelham a desavenças entre casais, só que potencializadas por consequências mais extensas pois transcendem a pessoa jurídica e resvalam na vida daqueles que trabalham, fornecem e consomem o que a empresa produz. Da mesma maneira, um “calote” de um parceiro comercial pode originar sentimentos tão dolorosos quanto uma traição conjugal… apesar de não estar nos manuais jurídicos, isso ficou para mim claro nesses tantos anos de advocacia societária.

Aqui o advogado se faz essencial ao mostrar ao cliente, de forma objetiva, quais os resultados possíveis em cada cenário de litígio ou negociação e avaliar os melhores “pay-offs”, da maneira mais isenta possível.

A capacidade analítica do caso concreto, levando-se em conta o objetivo específico que se pretende, ainda pode ser a chave da sobrevivência da advocacia empresarial. A simples subsunção da norma ao caso concreto pode, facilmente, ser feita por uma máquina ou um sistema. Mesmo as probabilidades de sucesso ao final de uma demanda também podem facilmente ser mostradas e é um serviço relativamente comum atualmente. Cabe a nós, assim, analisar e mostrar para o cliente, quais as eventuais perdas e ganhos (não só pecuniários) de cada solução e depois, só se for o caso, e quando não conseguirmos resolver, aí sim, reclamar…

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