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Revisando a vida. Por Angela Barros Leal

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Pingar o ponto final em um texto não significa que se tenha chegado à sua conclusão. Ao contrário. Do ponto, puxa-se o fio sem nó que é o trabalho de observação cuidadosa, de atenta lapidação, de leitura e releitura do que se tem em mãos (ou em mão?), buscando-se os lapsos, as gafes, os cochilos imperdoáveis, tudo o que venha a interferir na desejada qualidade do produto final.

As dúvidas existem: rosto banhado em lágrimas ou banhado de lágrimas? Coloca-se o ponto antes ou depois do fechamento dos parênteses? O correto aqui seria pautava-se, ou se pautava? Tigre do sul da China ou tigre-do-sul-da-china? Dúvidas cruciais para quem escreve e que, esgotado o auxílio do Mestre Google, necessita de uma revisão de texto tanto quanto precisa de ar para encher os pulmões.

A pessoa que escreve consegue, é evidente, olhar o que escreveu, o que está posto nas linhas, a sequência dos signos e sinais ocupando o espaço ou a tela, traçada (ou traçados?) com o objetivo de transmitir uma mensagem. Entretanto, é justamente essa mesma pessoa a mais vulnerável a não enxergar o que acabou de ser escrito.

Por artes e caprichos ainda não explicados pela Ciência, quanto mais imediata for feita a leitura, após colocado o suposto ponto final, mais provável é instalar-se no autor, na autora, uma cegueira provisória, cair sobre ele ou ela um espesso nevoeiro, um fog londrino trazendo súbita ausência de capacidade analítica, resultando no impedimento da sua plena visão.

Impossível haver aqui algo errado, é o que o autor, a autora crê, otimista, tão logo lê o que escreveu. As vírgulas aparentam estar curvadas em seus locais exatos. Os conectivos parecem posicionados em seus pontos de união. Os plurais com certeza não foram esquecidos. As crases (ah, as crases!) coroam os artigos certos. Os verbos encontram-se corretamente conjugados. As linhas vermelha e azul que costumam surgir na tela, alertando para a incidência de um atentado contra a gramática ou a ortografia, mantêm-se ausentes.

Apesar da segurança aparente, é preciso render-se à imposição da realidade. É mandatório presumir que os erros, os deslizes, as humanas falhas de quem escreve vão estar incrustrados em cada palavra, no meio de cada frase, no enunciado de cada parágrafo, da mesma maneira que os caroços escuros pertencem ao maracujá, que as sementinhas pretas, luminosas, compõem o mamão, que a casca de banana na calçada propicia quedas.

São incorreções, deslizes, descuidos que se apresentam nos escritos com inevitabilidade similar à da oxidação incidindo sobre o ferro, semelhante à da umidade que surge para inchar os veios da madeira, das doenças avançando sobre nosso corpo. Indispensável reconhecer essa imposição, quase inexorável.

É vital entregar-se (ou se entregar?), de peito aberto, à suspeita de não se haver atingido a perfeição sonhada. Mais prudente apelar pelo auxílio externo de um revisor, de uma revisora, transferindo a novos pares de olhos o ofício de investigar além da superfície, de localizar os defeitos. Aponte-me meus erros, suplicam os autores de cabeça baixa, deixando de lado a segurança ilusória. Assinale onde falhei, para que as falhas não venham a se dar em público. Exponha agora as minhas faltas, para que eu não seja exposto depois.

Ao receber de volta o trabalho, que percebe ter sido implacavelmente conduzido, o autor, a autora, é forçado a encarar com humildade a profusão de cortes, de sugestões, de observações e de emendas apontadas pelo profissional da revisão. E deve assumir o alívio pela possibilidade de voltar atrás no ponto final, usufruindo o privilégio de poder corrigir o que errou.

Como saldo positivo do processo revisionista, descansará ele (ou ela), com a consciência tranquila quanto ao uso perfeito do idioma pátrio. Restando forças, perceberá o pouso de uma esvoaçante reflexão em seu pensamento de escritor, de escritora: realmente uma grande pena, não existir quem nos dê direito também a uma revisão para o que fizemos, ou estamos fazendo, das nossas vidas.

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