Segurança Pública: da gangorra à gangrena; Por Laecio Xavier

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Há tempos que pesquisas de opinião apontam a Segurança Pública como maior preocupação brasileira. Somada à fragilidade normativa para enfrentar a Violência, Criminalidade, Marginalidade (VCM), aliciamento policial e impunidade de parte da Justiça Criminal, restam identificadas 88 Facções do Crime Organizado (FCO) nos territórios citadinos, entre a maioria dos 850 mil presos nacionais, em diferentes nichos econômicos, no financiamento eleitoral e em centenas de executivos e parlamentos municipais.

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024 revela que o tráfico nacional e transnacional de drogas e armas são somente quinta e sexta formas de faturamento das FCO. Seu domínio das periferias das cidades pela economia marginal é antecedido por contrabando e descaminho (cigarros, roupas, calçados, celulares, artigos eletrônicos), roubo de cargas, falsificação de moedas e documentos, e extorsões com “taxas” de segurança, comércios e serviços, transações imobiliárias e instalação de equipamentos públicos e privados. Já a infiltração das FCO na economia formal ocorre em 21 setores que lavam o dinheiro da VCM em mineração, agronegócio, imóveis, veículos, comércio de combustíveis, transporte público, internet, apostas esportivas, farmácias, eventos festivos, dentre outras. E o ápice da lavagem de dinheiro pelas FCO via CNPJ são as licitações municipais e as “emendas PIX” de parlamentares federais transferidas aos entes federativos sem convênios e escassas fiscalização, transparência e rastreabilidade da destinação final dos repasses.

Por seu turno, o governo federal apresentou uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para combater às FCO via ampliação do papel da União na formulação política, redefinição de competências federativas e implantação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) criado pela Lei 13.675/2018. Todavia, a PEC se equivoca ao constitucionalizar temas basilares da Segurança Pública como integração nacional dos sistemas e fundos policiais e penitenciários e das estatísticas criminais, conversão da Polícia Rodoviária em Viária Federal, guardas municipais no policiamento e autonomia das corregedorias policiais.

E para além dos conflitos institucionais com os Estados, a PEC se preocupou mais com o desenho institucional centralizado pela União do que em implantar o rol técnico-conceitual do manual Avaliação de políticas públicas: guia prático de análise ex post da Casa Civil da Presidência da República/2017 (diagnóstico, orçamento, diretrizes estratégicas e táticas, parceiros responsáveis, segmentos e territórios de implementação, impactos, custo-benefício, eficiência, retorno econômico-social, metas e avaliação pública dos resultados).

Tratar problemas complexos e fenomênicos pelo “estetismo normativo” geralmente é solução imediatista, aparente, redundante e ineficaz. Uma lei ordinária inoculando na União, Estados e Municípios os conteúdos do SUSP/2018 e do manual da Casa Civil da Presidência da República/2017 seria bem mais apropriada do que uma PEC. Para o enfrentamento das FCO é imprescindível sua classificação interna e externa como “organização terrorista” sujeita a penas superiores a 30 anos. Definir a Polícia Federal na atuação principal e, supletivamente, moldar as policias civis e militares no “círculo completo” investigativo e ostensivo. Transformar a atuação policial de pós-fato para pré-fato via Inteligência e fortalecer o Conselho de Controle das Atividades Financeiras (COAF) para seguir tais lavagens de dinheiro.

No Ceará, mesmo a Segurança Pública com 12% do orçamento e maior média proporcional do País, os índices de VCM oscilaram em média crescente nos últimos 20 nos, e chegaram ao conjunto dos 184 municípios. Dos 38.073 homicídios nacionais de 2024, o Ceará catalogou 8,60% (3.272). E nesta “gangorra” de custos, espacialidades e índices, também se denota uma dubiedade discursiva dos gestores em anos de êxito (“síndrome do pavão”) ou de fracasso (“complexo de avestruz”). Contudo, o cenário que se descortina no Brasil é de câmbio da “gangorra” para a “gangrena” do sistema pátrio de Segurança Pública.

Gangrena é a morte de tecido corporal por falta de fluxo sanguíneo ou infecção bacteriana grave. Seu tratamento é feito por antibióticos, remoção cirúrgica de tecidos mortos ou amputação de membros. E ultrapassadas as duas primeiras fases de profilaxia e intervenção na Segurança Pública, somente remanesce o uso de uma navalha afiada que ampute as partes gangrenadas das instituições políticas, judiciais e policiais. Afinal, o prognóstico que se evidencia com os avanços das FCO na democracia, economia e sociedade é que os homicídios não recairão apenas nos extratos sociais invisíveis da VCM. E sim, nas camadas mais elevadas do status quo cingidas por empresários, políticos, jornalistas e advogados. Ou seja, poderemos ter saudades do tempo em que apenas as empresas eram eliminadas numa licitação…

*Laécio Noronha Xavier – advogado, professor e autor de Gangorra. Violência, Criminalidade, Marginalidade e Nova Estratégia de Segurança Pública

 

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