Quando a infância é entregue à vaidade e o crime se disfarça de espetáculo
A tragédia exposta pela imprensa não é mero escândalo virtual — é o retrato da falência moral de um país que já não protege seus filhos. O influenciador Hytalo Santos, segundo reportagens, está no centro dessa engrenagem. Uma adolescente, entregue à sua casa aos 12 anos, foi convertida em peça de marketing e vitrine de curtidas na “Turma do Hytalo”. O que deveria ser infância virou mercadoria de rede social.
O Estatuto da Criança e do Adolescente é claro: o art. 19 só admite convivência em família substituta mediante guarda judicial. Houve essa guarda? Segundo a imprensa, não. O que existiu foi uma “adoção” informal — conduta ilegal. Mais grave: desde quando essa adolescente se relacionava com o irmão do influenciador? Se antes dos 14 anos, configura estupro de vulnerável (art. 217-A do Código Penal). A lei presume a violência. A gravidez interrompida, narrada nas matérias, é cicatriz de uma negligência criminosa.
O ECA veda autorizações genéricas para que adolescentes participem de espetáculos até a maioridade, mesmo acompanhados dos pais. Em decisão no Superior Tribunal, a ministra Nancy Andrighi disse que a proteção integral não pode ser flexibilizada em nome da conveniência dos adultos. Isso significa que cada caso deve ser analisado pelo juiz do domicílio do menor — e que qualquer desvio viola o estatuto.
Ex-funcionários denunciaram exploração: adolescentes submetidos a festas intermináveis, consumo de álcool, restrição de estudo e de liberdade. Isso não era entretenimento — era uma fábrica de abusos. Hoje, o influenciador está preso, acusado de tráfico de pessoas e exploração sexual infantil, segundo as investigações. E mais: a Justiça manteve a prisão, reconhecendo a necessidade da custódia cautelar.
O problema não se resume a influenciadores que trocam inocência por notoriedade. O nó está na irresponsabilidade de pais que entregam filhos por fama e dinheiro. Roger Scruton já lembrava: “quando o dever é esquecido, a liberdade degenera em licença”. Aqui, o dever dos pais foi negligenciado, e a liberdade da criança degradada em licença para abusos.
São Paulo dizia: “É preciso mergulhar para águas mais profundas”. Mais fundo ainda está o mal: uma sociedade que negocia a infância já perdeu o senso de limite. Nietzsche advertia: “quando o homem abdica do peso da responsabilidade, afunda na degradação.” É exatamente o que vemos: crianças expostas a um mundo digital sem freios. É urgente protegê-las dos predadores. O Parlamento deve reagir, endurecendo penas para quem explora o mundo infantil de forma ilegal e abusiva.
A infância é o último reduto da pureza — e quando é corrompida, o futuro não se ilumina mais. Sem limites, ela é devorada — e a pátria carrega a vergonha de ter aplaudido a degradação como se fosse diversão.
