Você já deve ter ouvido várias e várias vezes e talvez não tenha se dado conta: “Precisamos de uma estratégia bastante assertiva, não podemos errar.” “O Djokovic é muito assertivo no saque, foram vários aces.” Ou “Os projetos deles são muito assertivos, sempre são bem avaliados”. Sobretudo no mundo corporativo, o uso do “assertivo” como sinônimo de “capacidade de acertar” tem frequentado bastantes reuniões, memorandos, briefings, e-mails e o pior de tudo: sem crachá.
Não é preciso muito para descobrir o disfarce ou, melhor dizendo, o desvio de função de um personagem importantíssimo em toda e qualquer organização, a assertividade. Antes de mais nada, vale explicar que há um equívoco quando se diz que fulano/algo é assertivo porque acerta muito. “Assertivo” vem de “asserção”, que por sua vez significa afirmar algo de forma categórica, peremptória. Não tem relação, apesar do largo uso, com “acertar” cuja raiz da palavra, bem como etimologia, são diferentes.
Ser assertivo é antes de mais nada ser conciso e preciso. Aliás, já reparou que em “navegar é preciso, viver não é preciso”, de Fernando Pessoa, “preciso” ganha outro sentido se substituído por “exato”, em vez de “necessário”? “Navegar é exato. Viver não é exato.” Pois é, palavras têm poder.
Em algumas profissões, assertividade é mais do que aconselhável, é inerente ao ofício. Imaginemos, por exemplo, um piloto de avião prolixo que aciona a torre de comando: “Atenção, aqui é um boeing branco da Gol vindo de São Paulo: tô pensando em pousar daqui uns 10, 15 minutos. Se o tempo estiver ruim, pode ser que eu arremeta. A gente vai se falando.”
Arrisco dizer que o nível e a compreensão de assertividade têm um forte componente cultural, variando entre países ou conforme a região do país, em se tratando de Brasil. Por aqui, quanto mais frio o clima, mais frias serão as palavras.
Explicando melhor: pode ser normal, no sul do país, um e-mail “Preciso do relatório amanhã até 9h; às 10h vou apresentá-lo à diretoria.” Em linhas gerais, o mesmo e-mail no Nordeste seria algo como: “Deu certo o relatório? Veja se você consegue avançar e me entregar no máximo até as 9h pra eu dar uma lida antes; a diretoria quer ver a apresentação às 10h. Me avisa.”
No Nordeste, tendemos a ser mais cuidadosos com a mensagem. Mas não confundamos assertividade com rudeza. Ouvi certa vez alguém do Sul dizer – ou seja, tem o tal lugar de fala – que a diferença entre seu povo e uma araucária é que a araucária demora trinta anos para ficar grossa. Não tendo presenciado nenhum episódio que ilustre a anedota, duvido.
Como em praticamente tudo na vida, é questão de equilíbrio: nem oito e nem oitenta. Ah, antes de mais nada: fica entre nós se você também imaginava assertivo como sinônimo de Romário na pequena área. Está tudo bem, esse nem é o ponto crucial do artigo. O importante aqui é o entendimento da assertividade para o bom funcionamento das organizações.
Outro dia, ganhei um presente muito bacana, um livro chamado “Seja Assertivo!” (uma indireta?) que se debruça cuidadosamente sobre o tema. A autora, Vera Martins, dá boas dicas para quem busca o fiel da balança, seja para não economizar palavras ou para ir direto ao cerne, dificuldade que muitos têm para ir de A ou B sem dar a volta no planeta.
Para não aumentar a pilha de livros da sua casa que disputam seu tempo livre, destaco aqui pontos cruciais nessa cruzada por uma informação limpa, direta, sem ruídos e polida. Uma barra de ouro que vale mais do que dinheiro, diria Sílvio Santos. É interessante pensar a assertividade como um elixir cuja dose precisa ser milimetricamente administrada, sob pena de parecermos prolixos na insuficiência ou agressivos e rudes quando deixamos cair mais gotas do que a prescrição pede.
E não, assertividade não tem a ver com sincericídio, um discurso que normalmente termina com um “eu falo mesmo” após descarregar um caminhão de indelicadezas. Tem a ver com decisões objetivas, sem caráter pessoal e com foco no resultado. Tem a ver, simplesmente, com ser direto, honesto e ativo. É o sal da nossa refeição diária, que o paladar prontamente acusa o excesso ou ausência.
Segundo o livro, a atitude assertiva normalmente vem acompanhada de cinco características fundamentais. A primeira delas é a empatia, que nada mais é do que a capacidade de se colocar no lugar do outro, independente da posição que se ocupa no organograma. Lembremos Caetano, cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é. Depois vem a adaptabilidade: o que parece rudeza em um lugar pode não ser no outro e vice-versa. Saibamos vestir nossa linguagem segundo a ocasião.
Em terceiro, vem o autocontrole, o bom e velho “conhece-te a ti mesmo” do Sócrates, só que repaginado para figurar no Linkedin. Que nossas emoções não sejam como um touro indomável enquanto somos o cowboy saltitante do rodeio.
O quarto ponto é a tolerância às frustrações que, muitas vezes, leva a uma desistência precoce. Para continuar pegando carona na música: é a arte de seguir cada vez que o mundo diz não. E como o limiar de frustração em tempos de abundância está baixo, principalmente entre os mais jovens, mas esse assunto fica para outro dia.
Por fim, vem a sociabilidade, estar com pessoas, trabalhar com pessoas, entendendo que se é parte do processo e não o processo. Por mais clichê que seja, é entender que ninguém faz nada grandioso sozinho. São cinco comportamentos que, se bem trabalhados, podem fazer uma grande diferença na vida pessoal e, consequentemente, nas organizações. É claro que o artigo não tem a pretensão de esgotar o tema. Modestamente, é muito mais uma porta de entrada para mudanças de comportamento ou ajustes de rota em CPFs e CNPJs.
Mas se ajudar os leitores a não confundirem mais “acerto” com “asserção” já terá sido uma boa contribuição.