De repórter forjado nas necessidades da vida ao cérebro político do governo do Ceará, Chagas Vieira reinventou a Casa Civil, redefiniu a comunicação pública e transformou a própria lógica do poder. O secretário da CasaCivil foi o nome escolhido pelo Focus Poder para inicar a série “Protagonistas“.
Por Fábio Campos
Editor do Focus Poder
Por muito tempo, Francisco das Chagas Cipriano Vieira foi conhecido como o “Chagas do Barra Pesada” — o repórter que percorria bairros esquecidos, ouvia mães chorando por justiça e traduzia para a tela da TV a realidade nua e crua das periferias que, muitas vezes, o poder preferia ignorar. Hoje, aos 53 anos, ele ocupa a cadeira de secretário-chefe da Casa Civil do Ceará — e levou para dentro do Palácio da Abolição o mesmo olhar que aprendeu nas ruas: direto, humano e profundamente ligado à alma popular.
“Nasci em Paracuru”, diz Chagas, e a frase não é apenas um ponto de partida geográfico — é uma declaração de pertencimento. Vem dela a marca que percorre toda a sua trajetória: a consciência de quem conhece a vida como ela é. Filho de um agricultor que apenas assinava o próprio nome e de uma auxiliar administrativa que também cozinhava na escola pública, ele cresceu entre o chão batido do interior e as dificuldades que forjam caráter.
Não herdou sobrenomes nem atalhos. Herdou a necessidade — e foi com ela que aprendeu a trabalhar desde cedo. Estudou até o primeiro ano do segundo grau em uma escola comunitária e, aos 15 anos, deixou a casa dos pais rumo a Fortaleza com a ajuda de bolsas de estudo e a coragem de quem sabia que precisava abrir caminho por conta própria.
Nos fins de semana, voltava à sua cidade e ao seio familiar para apresentar programas de rádio, arrendando horário e batendo de porta em porta no comércio local em busca de anunciantes. Ali, o microfone não era vocação política — era instrumento de sobrevivência e de construção profissional. Era o que havia ao alcance de um jovem que precisava transformar esforço em oportunidade, e oportunidade em futuro.
A trajetória seguiu o curso de quem precisa multiplicar esforços: aos 17 anos, foi aprovado no vestibular da UFC, que, até então, era o único a formar profissionais para a imprensa no Ceará. Aos 18, era estagiário na recém-criada TV Jangadeiro; aos 23, já comandava o popular Barra Pesada como repórter, diretor e apresentador. Foram quase duas décadas no ar, construindo reputação e aprendendo, sobretudo, a ler a alma popular — com suas dores, esperanças e contradições.

“Eu não cresci em gabinete. É o último lugar em que gosto de estar. Eu estive na rua, vi e compreendi a realidade das pessoas. Isso me ajuda a enxergar soluções e políticas públicas que realmente interessam às pessoas.”
A política chegou depois — como consequência
A política não estava no início da jornada. Ela surgiu depois, como resultado natural de uma trajetória construída com esforço, escuta e leitura precisa da realidade. Em 2014, ao ser chamado para coordenar a comunicação da campanha de Camilo Santana, Chagas entrou em um universo que até então observava de fora ou como profissional do jornalismo. Não conhecia o candidato, mas sua capacidade de traduzir o sentimento popular em estratégia o transformou rapidamente em uma referência a ser escutada dentro daquela campanha, que saiu vitoriosa — e, pouco depois, em peça indispensável do governo.
Durante crises severas — dos ataques de facções ao motim da Polícia Militar, passando pela pandemia de Covid-19 —, Camilo percebeu que aquele repórter forjado na rua tinha bem mais a oferecer do que comunicação: tinha visão. Tinha a percepção prática do que fazer.
“O governador Camilo passou a me inserir nos gabinetes de crise não só para cuidar da imprensa, mas para ajudar nas decisões, dar ideias e mostra um lado que a burocracia palaciana muitas vezes não sabe ver”, recorda o secretário.
Foi o início de uma trajetória no coração do poder que atravessaria três governos — Camilo Santana, Izolda Cela e Elmano de Freitas — e teria impacto direto em algumas das maiores vitórias políticas do grupo governista.
Da gestão à política: a revolução na Casa Civil
A Casa Civil sempre foi, por tradição, uma pasta de bastidor: ou técnica, ou política — quase nunca as duas coisas. No primeiro governo de Camilo, por exemplo, a vertente técnica esteve sob responsabilidade de Maia Júnior, enquanto a política era conduzida por outros atores. Mas, na segunda metade desse Governo, o salto de qualidade da ação pública ganhou o impulso necessário quando a comunicação, nesse momento conduzida por Chagas, passou a traduzir para a massa popular os impactos positivos. A resultante foi, em 2018, a reeleição de Camilo Santana em um passeio eleitoral jamais visto na história do Ceará.
Em 2020, Camilo Santana promove uma reforma no secretariado e, para surpresa de muitos, anuncia Chagas Vieira como secretário-chefe da Casa Civil — um dos cargos mais vistosos e estratégicos do governo. A nomeação provocou espanto no meio político e na burocracia. Até mesmo as redações da imprensa ficaram se entreolhando. Afinal, como um jornalista de carreira, oriundo da reportagem policial e da comunicação popular, assumiria uma função tradicionalmente associada a perfis técnicos ou políticos clássicos? Pois é.
Camilo deixou o Governo em abril de 2022 para disputar a eleição de senador, a vice Izolda Cela assumiu o poder e o então discreto deputado estadual Elmano de Freitas torna-se o candidato a governador. Nesse momento, Chagas já se tornara peça-chave no processo político: dominava a máquina do Governo, a comunicação e a estratégia política a por em prática na disputa eleitoral. A resultante já é bem conhecida: uma acachapante vitória em primeiro turno. Meta alcançda, Chagas termina o mandato com Izolda e retoma a trajetória privada mantendo forte ligação com o grupo que tem Camilo como líder maior.
Os dois primeiros anos de Elmano no Governo foram manteve fortes similaridades com os dois primeiros do mandato inicial de Camilo: esquálido e sofrível. A saída tinha um nome. Apelos feito e Chagas chegou na segunda metade do governo. Para começar, fundiu as duas dimensões — gestão e política — em um único comando, transformando a secretaria da Casa Civil no cérebro do Estado. Essa fusão alterou a dinâmica do governo e teve impacto direto no cenário administrativo e, por conseguinte, no quadro eleitoral: se antes muitos duvidavam até da capacidade de Elmano chegar competitivo a uma disputa pela reeleição, hoje esse cenário é mais do que provável.
“Governo não é só entrega de obras e números frios. É também construção de narrativa, de confiança e de conexão com a população. Se você não consegue falar com as pessoas, não governa”, explica Chagas ao Focus Poder.
O estrategista das redes e o leitor de números

A transformação não veio apenas do instinto político, mas de método. Chagas mantém uma relação quase obsessiva pelos dados estatísticos (isso é coisa para poucos jornalistas): pesquisa, audiência, comportamento, opinião — tudo é matéria-prima para sua estratégia. “Eu me rendo aos números”, diz. “Comunicação sem dado é palpite.”
E foi justamente essa lógica que levou o secretário a explorar com precisão o poder das redes sociais — não como vitrine, mas como arena política. Ali, ele age com cálculo e competência, produzindo mensagens que moldam o debate e atraem para si as críticas mais duras da oposição.
“Eles pensam que estão me atacando. Na verdade, estão me concedendo o centro do debate — e, com isso, atacando a si próprios.”
A estratégia tem poder. Ao polarizar a discussão em torno de sua figura, Chagas cria um escudo político em torno de Elmano e reduz o desgaste natural do cargo. A oposição morde a isca, e o governador segue seu curso com menos ruído e mais espaço para entregar resultados. E é uma equação difícil para a oposição. Deixar o secretário disparando sozinho seria uma emenda pior que o soneto.
É evidente que a leitura nos bastidores é uma só: Chagas trabalha não somente para o Governo. Trabalha também para si com a pretensão de ser candidato. Essa questão foi colocada para o secretário pelo Focus Poder. Se antes havia um rotundo não diante da pergunta, agora já não é bem assim. A proposto: o secretário se mantém sem filiação partidária. Considerando o calendário eleitoral, há tempo de sobra pra isso.
Quanto à possibilidade de candidatura, quem não gostaria de ter em sua chapa um orador com profundo conhecimento do que o governo produz e com tamanho poder de comunicação capaz de atrair a ira da oposição mesmo que não tenha mandato ou seja um político na rinha da feroz disputa por votos?
Integridade e compromisso: a blindagem invisível
Em uma área sensível do poder, Chagas atravessou três governos consecutivos sem jamais ser alvo de acusações de mau uso de suas responsabilidades. Mesmo seus críticos mais ferrenhos reconhecem que trata-se de um personagem difícil de ser atacado e que passa ao público que lhe acompanha a ideia de ser estritamente movido pelo compromisso público. Em um ambiente político nacional marcado por suspeitas e escândalos, essa biografia ascendende e comprometida é um ativo político raro — e poderoso.
O fio invisível que liga a rua ao poder

No fim, talvez o maior mérito de Chagas esteja em algo menos visível: a capacidade de costurar dois mundos que raramente se encontram — o da rua e o do Palácio. Ele fala a língua dos becos e entende o tempo dos gabinetes. E o mais difícil: O secretário recusa a tentação dos rapapés e a conveniência dos bajuladores — e, ao fazê-lo, preserva a autoridade rara de quem deve o poder ao mérito e não à reverência alheia. Isso faz a diferença.
Acorda cedo, antes dos rivais terminarem de limpar a remela dos olhos. Está nas ruas quando precisa estar, no gabinete quando é necessário. Comunica-se com fluência tanto com lideranças comunitárias quanto com ministros de Estado, sem contar a desenvoltura no relacionamento com a imprensa.
E, sobretudo, mantém viva a lição que aprendeu ainda adolescente, em uma rádio do interior: nada se constrói sem esforço, e nada se sustenta sem escuta. A política, para ele, veio depois — como consequência natural de uma trajetória que começou na necessidade, passou pela competência e chegou ao centro do poder.
O cérebro por trás das ideias
No Ceará, as ideias que moldam a comunicação pública estadual não nascem dos marqueteiros — são elaboradas pelo secretário Chagas e depois desenvolvidas pelas equipes técnicas. O exemplo mais emblemático é o mote “O governo não para, não para, não para…”, que condensou em três repetições um conceito poderoso: a ação pública como movimento contínuo.
A fórmula — reunir diversas entregas em peças para veicular nas TVs e outras mídias, criando massa crítica e volume — rompeu com o formato tradicional da propaganda institucional e passou a ser replicada em outros estados. Agora, o mesmo raciocínio orienta campanhas com os humoristas mais populares do Ceará, multiplicando o alcance e inserindo a mensagem oficial no ambiente digital de milhões de pessoas.
“Comunicação também é política pública. Não é estética nem retórica. É forma de construir entendimento social e fortalecer políticas concretas.”
A seguir, Focus Poder pinça uma linha de pensamento do Protagonista sobre as críticas e os críticos.
Sou um democrata. Aprendi que, na política, rivais são parte da natureza do jogo. Eles fundamentam a arte da política, testam nossas ideias, desafiam nossos projetos e ajudam a construir caminhos melhores.
Mesmo os inimigos — e sim, eles existem — às vezes podem ser perdoados e receber um aperto de mãos. O mundo gira, e a política também. Mas há um tipo que não merece perdão nem esquecimento: o sanguessuga profissional da política.
Esse não é adversário. É parasita. Vive da traição, alimenta-se do que pode tirar dos outros, age movido por interesse próprio e nunca pelo interesse público. Não tem lealdade, não tem projeto, não tem caráter. Esse tipo é, por natureza, traidor e mau caráter.
E contra ele, não há conciliação possível. Porque quem age assim não ameaça apenas um governo — ameaça a confiança da sociedade, a credibilidade da política e o próprio sentido do serviço público.
Falo com a autoridade de quem viveu os bastidores e conhece o preço da lealdade. Na política, o respeito se constrói com divergência honesta. A traição, não. A traição se combate.