Parece grotesco, surreal, e é. A realidade crua da República em decomposição nos apresenta mais um capítulo que beira o inacreditável: a Procuradoria-Geral da República, em pleno século XXI, afirma ter perdido celulares e um notebook pertencentes a investigados na Ação Penal 2.417, em curso no Supremo Tribunal Federal (STF). Trata-se de um dos principais processos que apura a omissão de oficiais da Polícia Militar do Distrito Federal durante os ataques às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.
Sim, você leu corretamente: provas cruciais desapareceram, sem alarde, sem responsabilização, como se fossem irrelevantes. Em tempos de armazenamento em nuvem, cadeias de custódia digitais e protocolos de integridade, a alegação de extravio soa como um insulto à inteligência pública. E, ainda assim, esperam que aceitemos o absurdo com resignação.
O escândalo seria suficiente, por si só, para mobilizar as instituições. Mas não é um caso isolado. Soma-se a um padrão recorrente de “desaparecimentos” convenientes: imagens apagadas, arquivos que somem, evidências que evaporam. Não se trata de negligência, mas de método. Um modus operandi que privilegia a narrativa de ocasião e elimina o que a contraria. Uma engrenagem que apaga e fabrica com igual desenvoltura, sempre em nome da estabilidade institucional.
Vivemos o tempo da farsa institucionalizada, em que o Estado de Direito virou cenário decorativo, e os Três Poderes se projetam como caricaturas trágicas.
O Judiciário se transformou em castelo de silêncio, censura e deliberações opacas.
O Legislativo tornou-se uma máquina autoprotetiva, habitada por ventríloquos de interesses subterrâneos. O Executivo opera como espólio corroído por alianças espúrias e omissões estratégicas.
No vácuo desse colapso, o livro “Supremo Silêncio” surge como peça incômoda e necessária. Denuncia, com precisão documental, a erosão progressiva das liberdades, as prisões seletivas, a censura travestida de ordem judicial. Expõe os bastidores do Inquérito das Fake News, que se converteu num tribunal de exceção voltado à perseguição de dissidentes e à contenção de vozes críticas.
A face do poder já não cora diante do escândalo. Ministros do STF parecem agir sob pressões difusas. Há rumores de desconforto internacional, de sanções à vista. A fatura moral do sistema começa a ser apresentada. E não há toga que encubra a falência ética da Corte.
Estamos sob um regime que já não se importa em disfarçar sua face autoritária. A liturgia das instituições cedeu lugar à lógica do arbítrio. Mas a história, essa senhora de memória implacável, sempre retorna. E quando o silêncio enfim for rompido, talvez reste apenas o eco da covardia de quem se calou quando deveria ter gritado.
