Equipe Focus
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O Supremo Tribunal Federal (STF) manteve entendimento sobre a tese de que Estados estrangeiros que pratiquem atos em violação aos direitos humanos não gozam de imunidade de jurisdição no Brasil e podem responder judicialmente por eles. O caso foi decidido por maioria do Plenário da Corte constitucional, em julgamento sobre um barco pesqueiro brasileiro “Changri-lá” que foi afundado pelo submarino alemão U-199 na costa do País em julho de 1943, durante a II Guerra Mundial, causando a morte de dez tripulantes.
Em 2001, o Tribunal Marítimo reconheceu, oficialmente, que a causa do naufrágio fora o torpedeamento da embarcação pelo submarino U-199 alemão, levando os netos e as viúvas dos netos de um dos pescadores a ajuizar, em 2006, a ação de ressarcimento de danos materiais e morais. A ação de reparação foi extinta em primeira instância sem resolução de mérito, em razão do declínio da competência pela 14ª Vara Federal do RJ.
No recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF), a família do pescador sustentou que deve ser considerada a submissão expressa da Alemanha, por tratados internacionais, à jurisdição do local onde foram praticados os crimes de guerra e contra a humanidade durante o regime nazista. Argumentaram, ainda, que não há ato legítimo de império (decorrente do exercício do direito da soberania estatal) na prática de crime de guerra e contra a humanidade já julgados e condenados por Tribunal Internacional nem imunidade de jurisdição para atos atentatórios aos direitos humanos.
Para o relator do Recurso Extraordinário, ministro Edson Fachin, há a prevalência dos direitos humanos como princípio que rege o Estado brasileiro nas suas relações internacionais conforme determina a Constituição Federal. Com isso, os atos de gestão praticados por Estado estrangeiro passaram a ser passíveis de questionamento na Justiça brasileira, mas não havia a mesma previsão para os chamados atos soberanos de império, como no caso do ataque alemão ao pesqueiro no litoral brasileiro. Além da situação, as famílias das vítimas e de seus entes queridos, como também da própria subsistência que eles proviam, foram privadas da resposta, do direito à verdade e do acesso à Justiça, o que considera mais uma violação de direitos humanos. “Um crime é um crime”, afirmou. “A imunidade, assim, deve ceder diante de um ato atentatório aos direitos humanos”, finalizou Fachin.
Em contato com o Focus.jor, o advogado Rui Badaró, doutor em Direito Internacional, sócio do escritório Badaró & De Luca Advogados Associados em São Paulo e membro da Academia Brasileira de Direito Internacional, disse que “a decisão do STF, no presente caso, com repercussão geral, evidencia posição de vanguarda no que concerne o Direito Internacional, vez que parte do pressuposto que a formação, o desenvolvimento, a interpretação e a aplicação do Direito Internacional não podem ser dissociados da dimensão intertemporal, afinal, não existem regras imutáveis no Direito Internacional. No caso Changri-lá, o voto do Ministro-Relator Edson Facchin esclareceu a questão das normas jus cogens e a imunidade estatal, vez que, não é possível invocar a imunidade estatal em casos de violações de normas imperativas pelo Estado e, em última instância, na necessidade de prover reparações para as vítimas”. A necessidade de avaliar uma situação considerando o direito prevalente em determinada época já foi igualmente reconhecida pelo Instituto de Direito Internacional. O direito e o tempo são, portanto, interdependentes, devendo a efetividade das normas de Direito Internacional ser avaliada conjuntamente com as transformações sociais. Conclui o jurista.
*Com informação STF