A instalação de lojas do mesmo ramo em um shopping center não configura necessariamente atividade predatória ou ofensa à organização do comércio no local (tenant mix), desde que não haja violação dos contratos firmados com os lojistas.
Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por maioria de votos, que um shopping localizado no Rio de Janeiro não agiu de forma irregular ao permitir a instalação de um restaurante de culinária japonesa em frente a outro já existente. A inauguração do concorrente ocorreu em 2018, quando a previsão contratual de preferência do primeiro restaurante já estava extinta.
“A previsão de preferência apenas temporária não trouxe excessiva desvantagem para o locatário, seja porque a cláusula estava claramente redigida e, portanto, passível de avaliação de risco antes mesmo da instalação do restaurante, seja porque a admissão de outro restaurante do mesmo ramo trouxe aumento no faturamento do recorrido, ainda que se afirme que essa situação não tenha refletido nos lucros”, destacou o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, autor do voto que prevaleceu no colegiado.
Concorrente direto foi autorizado 12 anos após o fim do acordo inicial
O primeiro restaurante e o shopping assinaram contrato de locação que previa a exclusividade na exploração da culinária japonesa por cinco anos, condicionada a consulta sobre possíveis concorrentes. Passados 12 anos do fim do acordo inicial, a administração do shopping autorizou a instalação de outro restaurante do mesmo segmento. A iniciativa levou o primeiro restaurante a ajuizar ação para barrar a abertura do concorrente ou rescindir o contrato.
O juízo de primeiro grau determinou a rescisão do contrato de locação, mas negou os demais pedidos sob a alegação de que não estava prevista a continuidade do direito de preferência por tempo indeterminado. A decisão, entretanto, foi reformada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), que apontou violação ao tenant mix e determinou o pagamento de indenização.
Ao STJ, o shopping argumentou que a alteração do tenant mix se ampara nos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência. Além disso, negou a prática de atividade predatória, pois a exclusividade para explorar o segmento culinário se limitaria aos 60 meses do contrato inicial.
Para relator, alteração do tenant mix não violou a boa-fé objetiva
Villas Bôas Cueva observou que, na relação entre lojistas e o shopping center, devem prevalecer as condições pactuadas nos contratos de locação, salvo se houver desvantagem excessiva para os locatários. Na avaliação do ministro, a previsão temporária de direito de preferência não representou excesso de desvantagem para o locatário, e, na ocasião da instalação do restaurante concorrente, essa prerrogativa já estava extinta havia muito tempo.
“O contrato estipulava claramente até que momento o restaurante poderia contar com o direito de preferência, de modo a planejar suas atividades e adotar estratégias de acordo com esse dado. Do mesmo modo, o shopping aguardou a finalização do prazo para traçar novos delineamentos”, ressaltou o relator.
O ministro explicou que o tenant mix visa atrair o maior número possível de consumidores e incrementar as vendas. No entanto – prosseguiu –, não é possível garantir que o aumento do número de clientes e das vendas, como ocorreu nesse caso, resultará no incremento dos lucros dos lojistas, o que depende de causas variadas.
Ainda segundo o ministro, diversos centros comerciais surgiram ao redor do shopping com o passar do tempo. Dessa forma, para ele, a alteração do tenant mix não pode ser considerada uma conduta desarrazoada, a ponto de violar a boa-fé objetiva.
“Não há como esperar que o shopping mantenha a mesma organização por 18 anos, mormente se a alteração do tenant mix está prevista contratualmente e é necessário o enfrentamento das novas situações de mercado”, concluiu Villas Bôas Cueva ao prover o recurso especial.
Com informações do STJ