Tabelamento de preços e a vontade popular, por Igor Macedo de Lucena

COMPARTILHE A NOTÍCIA

Articulista do Focus, Igor Macedo de Lucena é economista e empresário. Professor do curso de Ciências Econômicas da UniFanor Wyden; Fellow Associate of the Chatham House – the Royal Institute of International Affairs  e Membre Associé du IFRI – Institut Français des Relations Internationales.

Segundo a mais recente pesquisa do instituto Quaest/Genial, 08 em cada 10 brasileiros concordariam com o tabelamento de preços como uma espécie de saída ou solução para a crise econômica na qual nos encontramos hoje, principalmente porque a inflação se mostra disseminada por toda a economia e não mostra sinais de queda em um curto prazo. O que se observa é muito pelo contrário, pois, com o conflito na Ucrânia e com as sanções econômicas impostas à Rússia, o preço das commodities disparou, e o efeito inflacionário agora já se encontra espalhado por todo o planeta.

O Brasil já passou muitos anos utilizando a política do tabelamento de preços ou seu controle com objetivos hipoteticamente “sociais”. Essa ideia de que ao tabelar preços o governo está praticando uma boa ação para os mais pobres, tornando acessível a todos bens e serviços com preços populares ou dentro do orçamento das classes mais baixas, já mostrou que apresenta um prazo de durabilidade curtíssimo.

Seja na época do presidente José Sarney, em que a inflação era galopante, e as políticas eram heterodoxas ou mirabolantes e se mostravam dia e noite com a tentação de tabelar a maioria dos bens e serviços com o objetivo de conter a inércia inflacionária, seja no governo Dilma, em que o tabelamento de preços de energia elétrica se mostrou um completo desastre financeiro para as companhias, que teve como sucessão aumentos vigorosos na tarifa durante os três anos subsequentes, o que se viu foi um desastre e o sofrimento principalmente para as classes menos favorecidas. Esse foi o resultado dos tabelamentos decretados pelo governo, que obrigou as empresas a represar os custos de produção para o consumidor final, com isso gerando custos mais elevados para o futuro.

Dentro de uma economia de mercado não pode haver “canetadas” políticas, pois as empresas se organizam de acordo com as bases gerenciais de seus insumos, de seus custos de produção, e incorporam o aumento do salário mínimo, o aumento nas alíquotas de impostos, e levam em consideração sempre o preço dos concorrentes para que possam chegar a um valor que reflita necessariamente a equação: LUCRO = RECEITA – CUSTOS.

Dito isso, vale lembrar que todo insumo, todo serviço e todo produto tem seu preço, e os juros que são cobrados pelos bancos aos seus clientes funcionam da mesma maneira; ou seja, levam em conta os custos de captação, as taxas de juros locais e internacionais, a probabilidade de calotes, os impostos e outras dimensões cada vez mais complexas de um mercado financeiro. No atual cenário, o que mais impacta o Brasil e o mundo é um novo cenário, uma guerra entre nações soberanas e sanções comerciais internacionais nunca vistas antes na história da humanidade, de modo que custos, ofertas e demandas de produtos e serviços ao redor do planeta estão totalmente desalinhados. É importante lembrar que não estamos assistindo apenas a desalinhamentos econômicos das cadeias produtivas mundiais, mas sim a intervenção política de maneira incisiva dentro das economias globais.

Mais uma vez o Brasil volta a ter a ideia de praticar os tabelamentos, mesmo sabedor de que não funcionaram em nenhum lugar do mundo, e parece que parte da população se esqueceu, após 30 anos, de erros e acertos na história econômica do nosso país. Congelamento de preços nunca é e nunca será a solução; isso apenas gerará mais distorções e mais custos para o futuro. Logo explico, pois, ao tabelar os juros do cartão de crédito e do cheque especial, por exemplo, as instituições financeiras poderão unilateralmente cancelar os cartões e os limites daqueles clientes que sempre pagam com atraso ou que se mostram com um considerado risco de calote junto aos bancos.

Se analisarmos o mesmo cenário para o tabelamento de alimentos ou produtos de higiene, o que vai ocorrer de imediato é o desincentivo à produção, pois os custos vão superar os valores tabelados de venda; ou seja, vamos assistir ao desabastecimento de produtos, pois as empresas não irão querer ofertar com os preços sendo tabelados pelo governo. Em um segundo momento, iremos testemunhar o surgimento de um mercado-negro em todas as regiões do país, onde os preços reais serão aplicados, e, como a oferta será muito menor do que a demanda, os preços serão muito mais elevados do que o valor médio de antes do tabelamento. Dessa forma, a situação ficará pior para todos os agentes da economia, principalmente para os consumidores finais.

Não estou aqui apresentando uma defesa do setor bancário ou do setor industrial, mas também é preciso lembrar-se de que o Brasil é um dos poucos países do mundo em que se tributa a intermediação financeira no momento da contratação; ou seja, paga-se imposto sem saber se haverá inadimplência. Além disso, os custos de produção no Brasil sempre foram altos e não será na base da canetada que tais custos irão baixar e beneficiar o consumidor.

Outro importante ponto a considerar é o Moral Hazard, ou o risco moral, que ora se apresenta no Brasil, que é a abertura da possibilidade, em um momento pós-Real, de dar-se início a políticas de tabelamento, indiscriminadamente e sem estudos, sempre que ocorram crises financeiras ou eventos emergenciais. Assim procedem como se isso fosse uma solução crível.

Apesar de uma pesquisa realizada por um importante órgão ter apontado que cerca de 80% da população brasileira concordaria com o tabelamento como uma saída para a atual situação econômica, esse de longe não seria o caminho, e podemos afirmar claramente que essa é uma resposta simples para um problema complexo que com cem por cento de certeza daria errado se fosse efetivada tal ideia. Esse é um exemplo de como algumas vezes a vontade popular não deve ser colocada à frente de algum princípio econômico ou legal que, de fato, pela lógica, possa representar um mal maior para todos.

COMPARTILHE A NOTÍCIA

PUBLICIDADE

Confira Também

AtlasIntel: entre criminalidade e economia estagnada, Lula vê erosão no apoio e avanço de Tarcísio

Chiquinho Feitosa reúne Camilo, Evandro e Motta em articulação para 2026

A disputa no Ceará e os passageiros do carro dirigido por Ciro Gomes

Do cientista político Andrei Roman (AtlasIntel): Lula não é favorito em 2026 porque perdeu o ‘bônus Nordeste’

Vídeo de Ciro no centrão: discurso contra Lula e aceno à centro-direita e centro-esquerda

O roteiro de conversas e articulações que aponta Ciro candidato no Ceará

O que você precisa saber sobre a venda da Unifametro para o grupo que controla a Estácio

Disputa entre Ceará e Pernambuco derruba comando da Sudene e escancara guerra por trilhos e poder no Nordeste

Guararapes, Cocó e De Lourdes têm a maior renda média de Fortaleza. Genibaú, a menor

Moraes manda Bolsonaro para prisão domiciliar após vídeo em ato com bandeiras dos EUA

Paul Krugman: Delírios de grandeza (de Trump) vão por água abaixo

Pesquisa AtlasIntel: Crise com Trump impulsiona Lula e desidrata Bolsonaro

MAIS LIDAS DO DIA

Sebrae/CE divulga seleção para Analista Técnico I com salário de R$ 6,7 mil

Ceará aposta em energia limpa e prevê economia de R$ 15 milhões anuais

O golpe do papel da casa?

Soberba cavalgada; por Walter Pinto Filho

carro

Ceará registra queda nas vendas de veículos em agosto, mas acumula alta de 19,8% em 2025

Matercol investe R$ 20 milhões e foca atuação no mercado de EPIs

PGR pede condenação de mais sete réus no STF em ações da trama golpista

O Ceará Protagonista na Era Digital; Por Acrísio Sena

MPCE: Imóveis abandonados em Fortaleza podem ser desapropriados