A decadência do presidencialismo, Por Igor Lucena

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Recorte do quadro “Proclamação da República”, 1893, óleo sobre tela de Benedito Calixto (1853-1927). Golpe que derrubou a monarquia deu início ao presidencialismo no Brasil

Os recentes acontecimentos nas democracias ocidentais, em especial no Brasil e nos Estados Unidos, trazem luz a um importante debate que outrora fora um tabu e, hoje, pode ser uma solução: o fim do modelo presidencialista de governo.

Uma das mais nefastas similaridades que hoje o Brasil possui com os Estados Unidos é que o modelo de governo dessas duas nações chegou a uma encruzilhada. Na sua maioria, não se vota mais em ideias, mas vota-se em pessoas que precisam ser sempre as “salvadoras da pátria” como se não existissem outros indivíduos capazes de liderar a nação. Os dois países estão afundados em uma polarização ideológica que perpassa qualquer lógica de esquerda e de direita. A grande maioria da população se mostra focalizada em lideranças que prometem tudo e entregam bem menos com o objetivo de ganhar eleições, mas consequentemente isso gera frustrações.

Neste contexto, acompanhamos as decisões técnicas sendo diariamente sobrepassadas por posições políticas para que a base de apoio A ou B não seja desagradada. Além disso, o fato de existirem mandatos fechados e garantidos de 4 anos criou no Brasil para alguns o custo de oportunidade da corrupção; ou seja, sabendo que há a possibilidade de comprar um mandato político por ‘X’ milhões, é possível conceber que haverá 48 meses para realizar ações fora da legalidade para retirar esse “investimento” e garantir recursos para a próxima eleição.

Tudo isso gerou no Brasil um movimento que tornou os políticos cidadãos de segunda classe, sujeitos a cadastros de pessoas politicamente expostas, recusa de contratações quando terminam seus mandatos ou ficam impossibilitados realizar negócios com empresas por conta de Compliance e até mesmo abordagem em locais públicos para serem esculachados. Tudo isso afastou de grande parte das boas pessoas o interesse de entrar na política, abrindo espaço para o radicalismo, tanto de esquerda quanto de direita. As pautas que começaram a ser debatidas focavam-se cada vez mais em nichos, em mudanças que agradam uma parcela da população, mas que de longe não estão resolvendo os mais importantes problemas do nosso país.

Se considerarmos a política a arte da conciliação, do debate e da construção de consensos para a administração da Pólis, é triste saber a que ponto nós chegamos, de modo que nossas sociedades se mostram mais difíceis de serem organizadas porque não conseguimos nem mesmo organizar o sistema da organização da qual ela prescinde. Entretanto, não sofro nestas dificuldades um lamento final. Acredito que essas dificuldades são oriundas de uma crise maior, e tudo isso é na verdade consequências práticas da decadência do Presidencialismo.

A cada dia o sistema presidencialista se mostra mais inadequado para a gerência de uma sociedade mais plural e mais complexa como a brasileira. Neste sentido, gostaria de exemplificar alguns motivos, porque muitos problemas da nossa política poderiam ser solucionados com a adoção do Parlamentarismo ou do Semipresidencialismo, modelos usados amplamente na Europa Ocidental.

Em primeiro lugar, a ‘compra de votos’ seria bastante ineficiente, pois sabendo da existência do chamado “Voto de Desconfiança” e da possibilidade de dissolução do parlamento, quem pagaria milhões de reais por um mandato que poderia durar apenas alguns meses? A “conta do investimento” não iria fechar. Em segundo lugar, a figura dos líderes dos partidos passaria a exercer uma predominância para a formação de listas, incentivando seus liderados e eleitores a votar por suas opiniões políticas e por suas afinidades de pensamento, retirando muito do “Sebastianismo” que ainda existe em nosso país.

Ainda assim, daríamos mais força e autonomia aos partidos, pois o “Toma Lá, dá Cá” deixaria de existir, pois os próprios partidos eleitos, e em geral os parlamentares, se tornariam ministros e secretários, e eles próprios formariam o Executivo, fazendo com que os planos governamentais e as plataformas de governo saíssem do papel de maneira mais fluida e republicana. Ademais, seria possível extinguir de vez qualquer debate sobre “Orçamento Secreto”, “Emendas Impositivas” e outros elementos que na prática atrasam ações concretas para resolver os problemas do país, pois os parlamentares seriam os próprios organizadores das decisões de alocação de recursos.

Vale ressaltar, outrossim, que pressões políticas e denúncias de escândalos seriam resolvidas muito mais rapidamente, pois ninguém gostaria de ver ou sentir uma pressão tão forte a ponto de dissolver o parlamento e promover novas eleições, o que faria com que os próprios políticos cobrassem muito mais uns dos outros e se fiscalizassem rotineiramente.

Além disso, o modelo também permite as disputas dentro dos distritos, forçando os partidos a apresentar candidatos em todo o país, acabando com as coligações antes das eleições e apresentando à população projetos distintos e realísticos sobre o rumo do local aonde vive, caso contrário os partidos perecem e se tornam irrelevantes em pouquíssimo tempo. Na prática, teríamos a possibilidade de ter eleições no modelo majoritário para cada local do país.

Não estou aqui idolatrando que o sistema parlamentarista ou semipresidencialista é perfeito e que não existem falhas em ambos. Claro que existem, assim como toda teoria e projeto criado pelo homem. Entretanto, chegamos a um estágio tão complexo e difícil da nossa política que qualquer tipo de renovação para um melhor momento de compreensão e de debate é louvável; ou seja, se queremos que a nossa Pólis seja de fato organizada à altura da nossa população e que seja capaz de resolver os inúmeros problemas do país, devemos começar mudando a forma como elegemos nossos representantes e como nossos governos se organizam. Que tal em 2030?

Articulista do Focus, Igor Macedo de Lucena é economista e empresário. Professor de Ciências Econômicas e analista de Relações Internacionais. É presidente do Conselho Regional de Economia do Ceará. Foto: Divulgação

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