O santo das coisas perdidas. Por Angela Barros Leal

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Foto: Freepik

Deve existir um Santo, no imenso painel de santos da Santa Igreja Católica, que nos ajude a encontrar objetos perdidos. Haverá, com certeza, entre a legião de anjos e arcanjos, querubins e serafins, um deles que auxilie na busca dos documentos que procuro. Se tal Santo não estiver presentes nos altares, devem existir simpatias consagradas pela voz do povo – a mesma voz de Deus – atendendo a igual objetivo.  Impossível não haver. 

Onde andarão os documentos que busco agora. Onde está aquela certidão de casamento dos meus pais, que outro dia eu tinha deixado aqui. Que fim levou aquela procuração histórica, selada, assinada e carimbada, comprovadora de que agi com correção 30 ou 40 anos atrás. Que pedaço de chão, que fundo de gaveta, que caixa empoeirada engoliu aquelas fotografias que, até outro dia, eu tinha certeza de encontrar nesse exato local.

A ausência do ponto de interrogação é proposital. Não são perguntas que faço a mim mesma, ou a quem tenha a pouca sorte de estar perto de mim nessas horas. São queixas, suspiros, lamentos, desabafos em voz alta que se elevam em meio à poeira dos papéis guardados. “Ter, e não saber onde está, é o mesmo que não ter.” Esse é o meu amargo mantra, enquanto busco o que não consigo achar.

O nome do Santo se faz conhecer: Reza para São Longuinho – alguém que chega me encoraja. São Longuinho é o Santo das coisas perdidas. 

Teria sido ele um dos centuriões ao pé da cruz de Cristo, muito possivelmente o que perfurou com uma lança o peito Dele, sendo atingido nos olhos pelo sangue divino, curando-se assim de uma quase cegueira e ganhando a redenção. 

Entendi o caso, afirmo a quem me conta a nobre história de um perseguidor canonizado, mas não vejo qual a relação do Santo com a busca dos objetos perdidos.

É que São Longuinho, apesar das conotações trazidas pelo nome, era um homem de baixa estatura. Por isso mesmo, e com a vista refeita, enxergaria de imediato o que estivesse ao nível do chão, oculto pela barra das alvas togas romanas, abaixo das mesas em que se davam os festins pantagruélicos, sob os leitos e assentos nos quais aqueles que possuíam algo a perder levavam suas vidas. 

E tem mais – me adverte a pessoa. Além de fazer o pedido, com fé e concentração, é preciso que o pedinte dê três pulinhos. 

O detalhe me intriga. Esqueço por alguns minutos o alvoroço da busca, interessada em conhecer a razão lógica para que eu comece a saltitar.

É que São Longuinho sofria de alguma deficiência física, não especificada pelos cânones religiosos – me esclarece a ajudante. Os pulinhos seriam uma alusão a tal fato. Nada faz sentido em relação a São Longuinho.

Ou então – me anima outra pessoa a meu favor – reze para Santo Antônio, que você há de encontrar. Sei da fama de Santo Antônio como caçador de maridos, não de documentos nem de fotografias.

A oração a ele começa assim: “Eu vos saúdo, glorioso Santo Antônio. Já que recebestes de Deus o poder especial de fazer achar os objetos perdidos, socorrei-me neste momento, a fim de que eu encontre o objeto que procuro.” 

Bem mais simples, sem a exigência de pulinhos. Fecho os olhos, com a fé e a concentração demandados, e rezo em silêncio, esperando que, ao abri-los, os documentos estejam suspensos no ar, à minha frente, flutuando em uma das nuvens de pó produzidas durante a busca.

Não é o que acontece. O que procuro continua ausente.

Reze um Pai Nosso e uma Ave Maria, e peça a Maria Vieira – é o conselho que escuto de uma terceira parte, que se juntou a nós no esforço coordenado da caçada aos documentos.

Maria Vieira teria sido uma adolescente açoriana, brutalmente morta ao tentar defender sua virtude nos recantos desertos da ilha. A pessoa que chegou para me informar sobre esse novo recurso investigativo, desconhece a ligação entre a tragédia e o encontro dos bens desaparecidos.

Somos quatro a suspirar em conjunto.

Os norte-americanos têm em seu vocabulário palavras específicas para cada fato, cada objeto, cada ação. Algo perdido dentro de casa, ou no local de trabalho, é identificado como misplaced. Em tradução livre, está fora do lugar onde deveria estar. Bem diferente de algo que desapareça em uma estação de metrô, em um estádio, na praia, em local de movimentação pública. Nesses casos, o correto seria utilizar a palavra lost. Perdido de verdade. Desaparecido forever. Esqueça que foi seu.

É nisso que penso, ganhando novo ânimo. Os documentos, as fotografias, não estão lost. Nada definitivo ou final. Permanecem com certeza dentro da casa, dentro desse quarto, dentro de um desses armários, gavetas e prateleiras. Como agora somos quatro envolvidos na busca, uma comitiva com oito braços e quatro pares de olhos atentos, o que procuramos acaba sendo encontrado.

Foi graças a São Longuinho – assegura uma das ajudantes, encarregando-se ela própria dos recomendados três pulinhos.

Foi Santo Antônio. Ou Maria Vieira – dizem as outras, cheias de confiança.

Quem saberá. Seguro nas mãos os achados, e deixo que os Santos se entendam quanto às glórias do bendito auxílio. 

 

 

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