Porque ontem era sábado, fui ao ateliê das minhas amigas Antônias levar umas roupas para ajustar — e, como quase sempre acontece nesse lugar cheio de linhas e lembranças, minha mãe me veio à cabeça. Ela era professora, mas seu verdadeiro orgulho era o curso de corte e costura. Foi ela quem costurou nossas primeiras roupas, pedalando sua velha máquina Singer e cantarolando músicas de Dalva de Oliveira. Aquela imagem me marcou para sempre.
Enquanto esperava no ateliê, indiquei para Antônia a série O Tempo Entre Costuras, baseada no livro de María Dueñas. A trama gira em torno de um ateliê que, mais do que fazer roupas, vira ponto de resistência durante a Guerra Civil Espanhola. Lembrei disso porque, assim como na história da ficção, ali naquele pequeno espaço da Rodrigues Júnior, perto do Seminário da Prainha e da casa onde nasceu Frei Tito, também se costura muito mais do que tecidos — costuram-se vidas, memórias e encontros.
Antes de montar seu ateliê, as Antônias trabalharam por anos como assistentes do estilista Cabeto. Nascido em Luzilândia, Piauí, Cabeto mudou-se para Fortaleza aos 12 anos e, após experiências em Londres, Roma e Paris, retornou à cidade para fundar seu badalado ateliê na Rua Monsenhor Bruno, em 1979. Ele foi pioneiro na moda cearense, organizando desfiles e eventos que marcaram época, como o primeiro Ceará Summer Fashion e o Maraponga Mart Moda.
Foi no ateliê de Cabeto que entrevistei seu irmão, Gerson Castelo Branco, para uma reportagem que ganhou página inteira, em 1996, na Folha de S. Paulo. Arquiteto autodidata que criou um estilo de arquitetura que utiliza materiais típicos do Nordeste do país, Gerson ganhou destaque internacional. Em setembro de 1995, a norte-americana Architectural Digest, uma das principais revistas mundiais sobre arquitetura, dedicou sete páginas elogiosas ao trabalho do arquiteto, batizado por ele de “Paraqueira Brasileira” (referência a um apelido de infância). Foi também a foto de uma das casas projetadas por Castelo Branco que ornamentou o convite de uma mostra internacional de arquitetura realizada em 1994, em Frankfurt, Alemanha. Na mostra, ele representou o Brasil ao lado de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa.
E, por fim, vou revelar que foi mais um desses encontros em ateliê que me inspirou a escrever este texto que vocês leem. Eu queria tirar uma foto com as Antônias, mas estava só. Tentei usar o temporizador do celular, quando uma cliente entrou — pedi que tirasse a foto. Ela foi super simpática e mostrou intimidade com a câmera fotográfica.
Só descobri depois que era Dani Gondim — atriz, modelo e empresária cearense, enteada do meu amigo de movimento estudantil Franzé (que foi do Centro Acadêmico de Psicologia da UFC) e sobrinha do meu amigo deputado Guilherme Sampaio. Dani tem se destacado em diversas áreas, incluindo projetos sociais e atuação em filmes como Milagre do Destino, baseado na história real de uma repórter cearense.
E pra tecer mais uma peça que o destino alinhavou nesse tecido de coincidências, fui ao cinema ontem à noite e encontrei por acaso o Franzé e a Ângela, mãe da Dani e irmã do Guilherme, na fila da pipoca. Ao entrarmos na sala, descobrimos que tínhamos comprado os ingressos na fila H, pra assistir o emocionante “Homem com H”, que conta a história de Ney Matogrosso.
Neste Dia das Mães, celebro todas essas mulheres que costuram o mundo com as mãos e o coração. Minha mãe, as Antônias, a Sira Quiroga de María Dueñas — e todas as outras que, em silêncio, fazem os reparos invisíveis da vida.
Paulo Mota é jornalista e especialista em Comunicação Estratégica, Projetos Culturais e Gestão Pública. Ex-Folha de São Paulo, El País e Banco do Nordeste. Gerente de Comunicação e Marketing da Companhia de Gás do Ceará.