
Por Fábio Campos
Editor do Focus Poder
Donald Trump, em seu discurso na Assembleia-Geral da ONU, fez o que jamais havia feito: citou Lula de forma positiva e anunciou a intenção de um encontro “na próxima semana”.
O Planalto confirmou a negociação, a ser conduzida pelos canais diplomáticos. O gesto vem após meses de retórica agressiva, tarifas punitivas de 50% contra exportações brasileiras e a extensão da Lei Magnitsky a familiares do ministro Alexandre de Moraes.
O gesto e a pressão
O sorriso de rodapé de Trump, descrito como “química” com Lula, não apaga o pano de fundo: tarifas recordes e sanções financeiras. A arquitetura de pressão segue intacta. O aceno abre espaço para uma descompressão tática, mas, por si só, não altera a lógica estratégica de Washington.
Por que agora?
Trump equilibra dureza e, no caso específico de hoje, até algum charme. Foca em mostrar ao seu eleitorado que controla a agenda global e pode, ao mesmo tempo, punir e conversar. O silêncio sobre Jair Bolsonaro, seu aliado preferencial no Brasil, não foi acidental: sinaliza que, para Washington, o ex-presidente é apenas um paralelo conveniente à própria narrativa trumpista — útil enquanto comparação, mas dispensável no cálculo real.
O cálculo de Lula
Lula, por sua vez, ganha espaço político interno e externo. O discurso na ONU reafirmou soberania e institucionalidade, buscando apoio internacional contra o unilateralismo norte-americano. A aposta agora é transformar a futura (possível) foto com Trump em entregáveis: alívios tarifários, exceções técnicas e algum degelo nas sanções. O risco é óbvio: posar para a foto sem resultados, legitimando a coerção americana. Mas, Lula, sabemos bem, é bom jogador.
Três cenários possíveis
1. Descompressão controlada: revisão parcial das tarifas e limitações às sanções.
2. Foto sem substância: encontro cordial, mas sem mudanças concretas.
3. Escalada reativa: endurecimento de lado a lado, com novos pacotes de sanções.
O impacto político
Para os bolsonaristas, foi um revés simbólico que poderá se transformar em concreto. O ídolo maior preferiu elogiar Lula, ignorando Bolsonaro. Mas a derrota é, até aqui, apenas de imagem: a alavanca real segue sendo a política econômica de Washington. Para o governo brasileiro, a vitória só virá se a “química” render papéis assinados, com impacto direto no comércio e no sistema financeiro.
O que vigiarA
A substância estará menos nas declarações e mais nos documentos: listas de exceções tarifárias, licenças financeiras do Tesouro americano e compromissos verificáveis. Sem isso, a “química” será apenas mais uma nota de rodapé na longa relação entre Brasil e Estados Unidos.
Os animais políticos
Lula e Trump, cada um à sua maneira, encarnam a definição aristotélica do homem como zoon politikon. Ambos respiram política, vivem da política e sobrevivem pelo jogo político.
• Trump, moldado pelo espetáculo, age como predador de palco: ruído, ameaça, improviso calculado e uma habilidade rara de capturar manchetes. Sua força está em transformar até a contradição em narrativa de poder.
• Lula, moldado pela sobrevivência sindical e pela longa travessia democrática, age como felino paciente: aproxima-se devagar, mede o ambiente, ataca quando sente o instante favorável. Sua força está em transformar vulnerabilidade em ativo político.
É justamente porque são animais políticos que o encontro entre ambos carrega tanto simbolismo. Dois instintos diferentes, duas selvas distintas — mas a mesma regra de ouro: a sobrevivência e a vantagem no tabuleiro do poder.