Os senadores Randolfe Rodrigues e Ausgusta Brito durante a sessão que derrubou a excrescência oriunda da Câmara.
Rapidamente, a aberração política foi implodida. A PEC da Blindagem, nascida nos bastidores do Centrão, morreu sob a luz intensa da reação social e do próprio funcionamento institucional. É a prova cristalina de que a indignação de muitos tem força — e de que a política brasileira, mesmo quando tenta proteger seus vícios, ainda é atravessada por freios e contrapesos.
O limite do poder
Quem imaginava que poderia legislar em causa própria sem resistência encontrou um muro. A Câmara aprovou a proposta com folga, como se os deputados ainda vivessem sob a lógica dos anos 1990, quando se acreditava que a corporação era mais importante do que a sociedade. Mas o Senado (nem precisou chegar ao plenário) mostrou outra cara: a da política que, mesmo pragmática, sabe medir o termômetro das ruas e recuar quando a temperatura ameaça explodir.
O papel da pressão popular
As manifestações do último fim de semana foram decisivas. Milhares nas ruas, em diversas capitais, enviaram um recado direto: não se tolera mais retrocesso em nome de blindagens corporativas. A pressão funcionou como o que a ciência política chama de accountability vertical: a sociedade, mesmo fora do período eleitoral, mostrou que pode impor limites concretos ao comportamento dos representantes. A unanimidade na CCJ não brotou do nada; foi resultado da clareza de que apoiar a PEC seria um suicídio político.
Ciência política em ação
A rejeição da proposta é um caso didático para entender o funcionamento do sistema. O Legislativo não é um bloco monolítico: enquanto a Câmara é mais permeável às pressões do Executivo e à lógica fisiológica do Centrão, o Senado, com menos cadeiras e mais exposição individual, é mais sensível ao desgaste público. Além disso, o episódio reafirma a importância do sistema de freios e contrapesos: o mesmo Congresso que avança sobre privilégios pode ser contido dentro de si, especialmente quando instado pela sociedade civil.
A derrota simbólica
Não se trata apenas de uma PEC derrotada, mas de um símbolo. O recado é que a democracia brasileira não é uma carta em branco a quem ocupa o poder. Há memória institucional — o fracasso do modelo de blindagem entre 1988 e 2001 — e há vigilância social. Ao dizer “não”, o Senado devolveu à política uma lição básica: a imunidade parlamentar existe para proteger a liberdade de opinião e voto, não para acobertar crimes.
Conclusão
A implosão da PEC da Blindagem é um raro momento em que política e sociedade se alinham para barrar retrocessos. Quem pensava poder “fazer o que bem entende” descobriu que há limites. E esses limites não vêm apenas da letra da Constituição, mas da energia popular que se recusa a ser tratada como plateia muda. A democracia brasileira respira — e mostra, mais uma vez, que sua força está na capacidade de dizer basta.