
O embate político em torno da supressão de vegetação no entorno do Aeroporto Internacional Pinto Martins tem muito de espetáculo tardio. A denúncia feita pelo vereador Gabriel Biologia (Psol), professor universitário e ativista ambiental de primeira hora, ecoa uma indignação legítima, mas que ignora um dado essencial: desde o leilão de 2017, a ocupação dos terrenos ociosos do aeroporto já estava contratada.
A carta marcada da concessão
Quando Michel Temer presidia o país e a Fraport levou a concessão do Pinto Martins, não houve resistência política relevante no Ceará. Nem o então governador Camilo Santana, nem o prefeito Roberto Cláudio, ambos alinhados a uma agenda de modernização da infraestrutura, levantaram questionamentos. A lógica do negócio incluía não só o terminal e a pista, mas também as áreas do entorno, contabilizadas como ativos para exploração econômica.
Foi nesse espaço — aparentemente marginal, mas crucial no desenho da concessão — que se projetou o conceito de Aeroporto Cidade: transformar terras ociosas em polos de negócios. A aposta era clara: multiplicar receitas, empregos e arrecadação por meio de parcerias privadas.
O fator ambiental negligenciado
O movimento ambientalista, que agora se vê surpreso, falhou em antever a consequência óbvia da modelagem: a pressão por urbanização sobre áreas de vegetação secundária. Ao não questionar as condições do leilão, abriu-se caminho para que a Semace se tornasse o árbitro técnico de autorizações, mesmo diante das exigências legais para supressão em áreas em regeneração.
A crítica de Gabriel Biologia, de que não houve estudos fitossociológicos para classificar corretamente o estágio da vegetação retirada, revela não apenas uma possível falha processual, mas a vulnerabilidade de um sistema que equilibra, de forma desigual, interesses econômicos bilionários e a preservação ambiental.
Fraport e o Ceará
Importa lembrar: a Fraport não é uma empresa qualquer. Desde que assumiu o Pinto Martins, em 2018, a concessionária alemã tem sido parceira decisiva para o incremento do turismo e da economia do Ceará. Foi sob sua gestão que o terminal foi ampliado, a pista estendida e novas rotas internacionais atraídas — fatores que ajudaram a transformar Fortaleza em hub aéreo e porta de entrada para visitantes da Europa e das Américas.
O conceito de Aeroporto Cidade segue a mesma lógica: gerar receitas adicionais, empregos e impostos para além do transporte aéreo. O complexo logístico em construção, orçado em mais de R$ 1 bilhão, promete sozinho criar 15 mil postos de trabalho, sendo 5 mil diretos.
Política e oportunidade
Ainda assim, a polêmica ambiental abre espaço para embates políticos. A oposição na Câmara Municipal vê na denúncia de Gabriel Biologia um flanco para questionar não apenas o empreendimento, mas também a aliança tácita entre governo estadual, prefeitura e a concessionária. O que hoje se apresenta como indignação repentina poderia ter sido objeto de cláusulas restritivas ou debates no momento da privatização.
O fato é que a controvérsia não nasce da supressão em si, mas da memória curta. O Ceará comemorou a chegada de uma multinacional de prestígio internacional para gerir o aeroporto. Agora, paga o preço de não ter discutido com profundidade os efeitos colaterais dessa entrega.
O projeto já está posto e em andamento
O debate, contudo, não altera o essencial: o projeto está posto e segue o trâmite normal de aprovação pelas instituições correlacionadas. Sabe-se que a área em questão sempre pertenceu à União e foi mantida intacta até aqui justamente para este fim — a expansão dos negócios associados ao aeroporto. O hotel, o centro comercial e o complexo logístico são apenas a primeira etapa de um desenho mais amplo. O mapa da cidade ao redor do Pinto Martins já havia sido redesenhado no papel; agora, com atraso ou não, começa a se materializar.
Veja imagens do projeto