A articulação global da China que tem o Ceará como eixo estratégico; Por Fábio Campos

COMPARTILHE A NOTÍCIA

Uma articulação global — que mobiliza gigantes empresariais chineses e o governo da China — tem o Ceará como peça-chave. Uma cuidadosa apuração do Focus Poder mostra que o Ceará passou a ser eixo fundamental de interesses que vão muito além da economia e dos negócios e que, ao fim das contas, se relacionam com a geopolítica mundial.

O detalhe é que, dessa vez, o Estado só não é um espectador por que há tarefas de envergadura a cumprir na área de infraestrutura e, claro, na articulação política. A localização geográfica fez o principal até aqui ao ser fator decisivo para tornar Fortaleza um hub de fibra ótica a ligar-se ao mundo. Ao permitirem geração de energia perene e verde, sol e vento são combustíveis dessa história. A integração das bacias hidrográficas, a abençoada água, e todas as políticas de desenvolvimento dpostas em prática até aqui formaram o conjunto de circunstâncias que  fazem a conversa avançar.

A história toda passa pelos datacenteres, as estruturas que concedem vantagem competitiva e soberania digital. No âmbito da impressionante revolução tecnológica que estamos vivendo, estes equipamentos bancam o que se denomina de infraestrutura crítica: sem elas, não há nuvem confiável, transformação digital nem crescimento baseado em dados. Compreendem? A China sabe muito bem disso. As gigantes mundiais chinesas Byte Dance (dona da TikTok) e Alibaba tanto falam quanto escutam a conversa.

Atentem para as últimas conversas bilaterais entre Brasil e China envolvendo tanto autoridades públicas quanto dirigentes empresariais. Algumas delas com a participação do governador do Ceará, Elmano de Freitas, e o ministro Camilo Santana (Educação). A ida do governador à China na comitiva de Lula não foi à toa. A recente viagem para o congresso da ONU também.

Bom, o gatilho regulatório para dar mais concretude às conversas veio de Brasília. A Medida Provisória 1.318/2025 instituiu o REDATA, regime especial de tributação para serviços de data center, com desoneração na importação de equipamentos e regras pensadas para atrair investimento intensivo em capital e energia limpa. O texto integra a Política Nacional de Data Centers e já tramita no Congresso.

Foi nesse contexto que o encontro entre o presidente Lula e Shou Zi Chew, CEO do TikTok, em Nova York, consolidou a intenção de erguer um mega campus de data center no Ceará, estimado em até R$ 50–55 bilhões — um movimento capaz de tracionar fornecedores, nuvens e parceiros de todo o ecossistema. O Focus Poder antecipou a costura política e os contornos do projeto em 22 de setembro, destacando a presença de Elmano de Freitas e Camilo Santana numa mesa com os chineses.

Nos últimos dias, o Alibaba recolocou-se no centro da corrida global de infraestrutura de inteligência artificial. Em seu congresso anual, o CEO Eddie Wu disse que a empresa vai ampliar, além dos 380 bilhões de yuans (cerca de US$ 53 bilhões) já anunciados para três anos, o investimento em data centers e computação de IA incluindo novas regiões. O Brasil entre elas. A expectativa é que o Ceará seja o estado escolhido para receber o data center da Alibaba (explico o motivo mais adiante).

Reabilitado pelo PC chinês, o CEO da Alibaba projeta a empresa para se tornar “o maior fornecedor mundial de serviços de inteligência artificial”, inclusive poder de computação.

O Ceará aparece como peça-chave dessa arquitetura por razões objetivas. Fortaleza é há anos um hub atlântico de conectividade, com múltiplos pontos de ancoragem de cabos submarinos. Entre eles está o SAIL (South Atlantic Inter Link), que liga Fortaleza a Kribi, no Camarões, construído pela Huawei Marine. Ponto chave: essa ligação cria alternativas de rota para a África e, de lá, para a Ásia, reduzindo a dependência de caminhos tradicionais por Estados Unidos ou Europa e oferecendo redundância e latência competitivas para aplicações de IA.

A equação energética e hídrica também evoluiu. Segundo a Agência Brasil, o governo do Ceará se comprometeu a viabilizar água de reúso para resfriamento e o Operador Nacional do Sistema já deu parecer favorável à conexão de dois projetos de data center no Complexo do Pecém — um deles condicionado a reforços na rede de transmissão, o que indica a escala de carga prevista e a necessidade de sincronizar obras de rede ao cronograma civil. Vejam aí os deveres de casa das instâncias locais.

Sabemos que o Pecém reúne atributos logísticos (ZPE, porto, áreas disponíveis) e já se movem acordos firmes para o fornecimento de água de reúso ao polo industrial e ao nascente cluster digital, reforçando a viabilidade operacional dos futuros campi de computação (atenção, reitores da UFC e do IFCE). Esse flanco de infraestrutura local conversa com o desenho macro do Alibaba: presença internacional onde existam cabos, energia renovável, água e marco regulatório claro. Vejam esse relatório da XP.

Na China, em paralelo, houve um rearranjo político-econômico que ajuda a explicar a volta de Jack Ma ao centro do tabuleiro. Em fevereiro, Xi Jinping reuniu o alto empresariado privado — Ma incluído — num gesto de reaproximação após anos de aperto regulatório, com recados de estabilidade de regras e incentivo à inovação. Mais recentemente, a vitrine estatal destacou visita do premiê Li Qiang a uma operação de data center onde a T-Head, unidade de chips do Alibaba, exibiu aceleradores de IA em patamar comparativo aos modelos restritos da Nvidia. O recado é duplo: compromisso com a expansão externa  e, ao mesmo tempo, avanço doméstico para reduzir vulnerabilidades tecnológicas.

Usina na Praia do Futuro ameaça hub de cabos submarinosÉ nesse cruzamento que o Ceará se encaixa: conectividade internacional pronta, energia renovável abundante, solução hídrica dedicada e, agora, um regime tributário específico. O anúncio de uma nova região do Alibaba Cloud no “Brasil” abre disputa entre praças do país. Porém,  com a âncora ByteDance/TikTok e a malha de cabos já desembarcada em Fortaleza e outras projetadas, o estado se credencia como candidato natural para receber um ponto de presença relevante — ainda que a decisão final de localização do Alibaba não tenha sido tornada pública.

Encontro Ceará-China entre o goernador e o embaixador chinês.

Pontos cruciais do encadeamento de fatos estão bem colocados em um texto assinado pelo jornalista Nelson de Sá, do UOL: “O movimento havia começado meses antes, com reuniões na China entre bancos, empresas, escritórios de advocacia e autoridades, costurando financiamentos e negócios, além de uma visita do governador do Ceará, Elmano de Freitas…”

Continua: “Numa dessas reuniões, entre outras questões, analisaram se uma empresa chinesa poderia manter sua base de dados no Brasil, ou seja, servindo em tempo real à sede na China. A resposta foi afirmativa, com um cabo instalado pela Huawei ligando o Nordeste à África — e de lá à China, sem passar pelos Estados Unidos ou pela Europa. Outro motivo seria a grande oferta de energia renovável, sobretudo no Nordeste, no momento em parte desperdiçada”.

Enfim, se a engrenagem girar, um pedaço do litoral e do território cearense podem consolidar-se como nó internacional de computação no Atlântico Sul, com efeitos duradouros sobre emprego qualificado, inovação e a economia real do estado. Há estudos de instituições financeiras que já antecipam esse quadro.

COMPARTILHE A NOTÍCIA

PUBLICIDADE

Confira Também

Pesquisa: Disputa pelo Senado expõe força de Cid Gomes, RC resiliente e a fragilidade do bolsonarismo quando dividido

Aprovação sólida mantém Elmano favorito a mais de um ano da eleição

Brasil tem 37,8% de trabalhadores informais; Saiba o tamanho da formalidade e da informalidade no Ceará

Com Camilo ao lado, Lula transforma aniversário de 95 anos do MEC em ato político

Bolsonaro antecipa o jogo e aposta em Tarcísio para 2026

A polêmica anunciada no entorno do Aeroporto Pinto Martins

A derrota da aberração: quando a política encontra seus limites

Lula e Trump em rota de conciliação (ou será colisão?); Por Fábio Campos

Em Nova York, TikTok e Lula dão passo decisivo para mega datacenter de R$ 50 bi no Ceará; Elmano e Camilo na mesa

Ciristas, ouçam Ciro: facções são caso federal

PEC da Blindagem ou PEC da Bandidagem?

De “abutre” a aliado: Valdemar declara apoio do PL a Ciro com foco em derrotar o PT no Ceará; Veja vídeo

MAIS LIDAS DO DIA

Focus Colloquium: Deputado aponta conflito de interesse na concessão de Jericoacoara

Cid Gomes filia grupo de Acilon, leva peso político para o PSB e amplia força na Região Metroplitana

“O coração que pulsa o Ceará”: fazendários defendem LOAF para financiar serviços públicos essenciais

Exame de gravidez na demissão é discriminação ou garantia de direitos?; Por Érica Martins

SerasaJud: Nova ferramenta permite troca online de documentos e informações entre Poder Judiciário e Serasa

Herança digital protegida por senha exige processo separado do inventário, decide STJ

Licença-maternidade: Nova lei aumenta afastamento por até 120 após alta hospitalar

Ministro anuncia início das operações da Transnordestina com transporte de grãos em outubro

Ceará conquista 4ª posição nacional em transparência e governança pública