Uma articulação global — que mobiliza gigantes empresariais chineses e o governo da China — tem o Ceará como peça-chave. Uma cuidadosa apuração do Focus Poder mostra que o Ceará passou a ser eixo fundamental de interesses que vão muito além da economia e dos negócios e que, ao fim das contas, se relacionam com a geopolítica mundial.
O detalhe é que, dessa vez, o Estado só não é um espectador por que há tarefas de envergadura a cumprir na área de infraestrutura e, claro, na articulação política. A localização geográfica fez o principal até aqui ao ser fator decisivo para tornar Fortaleza um hub de fibra ótica a ligar-se ao mundo. Ao permitirem geração de energia perene e verde, sol e vento são combustíveis dessa história. A integração das bacias hidrográficas, a abençoada água, e todas as políticas de desenvolvimento dpostas em prática até aqui formaram o conjunto de circunstâncias que fazem a conversa avançar.
A história toda passa pelos datacenteres, as estruturas que concedem vantagem competitiva e soberania digital. No âmbito da impressionante revolução tecnológica que estamos vivendo, estes equipamentos bancam o que se denomina de infraestrutura crítica: sem elas, não há nuvem confiável, transformação digital nem crescimento baseado em dados. Compreendem? A China sabe muito bem disso. As gigantes mundiais chinesas Byte Dance (dona da TikTok) e Alibaba tanto falam quanto escutam a conversa.
Atentem para as últimas conversas bilaterais entre Brasil e China envolvendo tanto autoridades públicas quanto dirigentes empresariais. Algumas delas com a participação do governador do Ceará, Elmano de Freitas, e o ministro Camilo Santana (Educação). A ida do governador à China na comitiva de Lula não foi à toa. A recente viagem para o congresso da ONU também.
Bom, o gatilho regulatório para dar mais concretude às conversas veio de Brasília. A Medida Provisória 1.318/2025 instituiu o REDATA, regime especial de tributação para serviços de data center, com desoneração na importação de equipamentos e regras pensadas para atrair investimento intensivo em capital e energia limpa. O texto integra a Política Nacional de Data Centers e já tramita no Congresso.
Foi nesse contexto que o encontro entre o presidente Lula e Shou Zi Chew, CEO do TikTok, em Nova York, consolidou a intenção de erguer um mega campus de data center no Ceará, estimado em até R$ 50–55 bilhões — um movimento capaz de tracionar fornecedores, nuvens e parceiros de todo o ecossistema. O Focus Poder antecipou a costura política e os contornos do projeto em 22 de setembro, destacando a presença de Elmano de Freitas e Camilo Santana numa mesa com os chineses.
Nos últimos dias, o Alibaba recolocou-se no centro da corrida global de infraestrutura de inteligência artificial. Em seu congresso anual, o CEO Eddie Wu disse que a empresa vai ampliar, além dos 380 bilhões de yuans (cerca de US$ 53 bilhões) já anunciados para três anos, o investimento em data centers e computação de IA incluindo novas regiões. O Brasil entre elas. A expectativa é que o Ceará seja o estado escolhido para receber o data center da Alibaba (explico o motivo mais adiante).
Reabilitado pelo PC chinês, o CEO da Alibaba projeta a empresa para se tornar “o maior fornecedor mundial de serviços de inteligência artificial”, inclusive poder de computação.
O Ceará aparece como peça-chave dessa arquitetura por razões objetivas. Fortaleza é há anos um hub atlântico de conectividade, com múltiplos pontos de ancoragem de cabos submarinos. Entre eles está o SAIL (South Atlantic Inter Link), que liga Fortaleza a Kribi, no Camarões, construído pela Huawei Marine. Ponto chave: essa ligação cria alternativas de rota para a África e, de lá, para a Ásia, reduzindo a dependência de caminhos tradicionais por Estados Unidos ou Europa e oferecendo redundância e latência competitivas para aplicações de IA.
A equação energética e hídrica também evoluiu. Segundo a Agência Brasil, o governo do Ceará se comprometeu a viabilizar água de reúso para resfriamento e o Operador Nacional do Sistema já deu parecer favorável à conexão de dois projetos de data center no Complexo do Pecém — um deles condicionado a reforços na rede de transmissão, o que indica a escala de carga prevista e a necessidade de sincronizar obras de rede ao cronograma civil. Vejam aí os deveres de casa das instâncias locais.
Sabemos que o Pecém reúne atributos logísticos (ZPE, porto, áreas disponíveis) e já se movem acordos firmes para o fornecimento de água de reúso ao polo industrial e ao nascente cluster digital, reforçando a viabilidade operacional dos futuros campi de computação (atenção, reitores da UFC e do IFCE). Esse flanco de infraestrutura local conversa com o desenho macro do Alibaba: presença internacional onde existam cabos, energia renovável, água e marco regulatório claro. Vejam esse relatório da XP.
Na China, em paralelo, houve um rearranjo político-econômico que ajuda a explicar a volta de Jack Ma ao centro do tabuleiro. Em fevereiro, Xi Jinping reuniu o alto empresariado privado — Ma incluído — num gesto de reaproximação após anos de aperto regulatório, com recados de estabilidade de regras e incentivo à inovação. Mais recentemente, a vitrine estatal destacou visita do premiê Li Qiang a uma operação de data center onde a T-Head, unidade de chips do Alibaba, exibiu aceleradores de IA em patamar comparativo aos modelos restritos da Nvidia. O recado é duplo: compromisso com a expansão externa e, ao mesmo tempo, avanço doméstico para reduzir vulnerabilidades tecnológicas.
É nesse cruzamento que o Ceará se encaixa: conectividade internacional pronta, energia renovável abundante, solução hídrica dedicada e, agora, um regime tributário específico. O anúncio de uma nova região do Alibaba Cloud no “Brasil” abre disputa entre praças do país. Porém, com a âncora ByteDance/TikTok e a malha de cabos já desembarcada em Fortaleza e outras projetadas, o estado se credencia como candidato natural para receber um ponto de presença relevante — ainda que a decisão final de localização do Alibaba não tenha sido tornada pública.

Pontos cruciais do encadeamento de fatos estão bem colocados em um texto assinado pelo jornalista Nelson de Sá, do UOL: “O movimento havia começado meses antes, com reuniões na China entre bancos, empresas, escritórios de advocacia e autoridades, costurando financiamentos e negócios, além de uma visita do governador do Ceará, Elmano de Freitas…”
Continua: “Numa dessas reuniões, entre outras questões, analisaram se uma empresa chinesa poderia manter sua base de dados no Brasil, ou seja, servindo em tempo real à sede na China. A resposta foi afirmativa, com um cabo instalado pela Huawei ligando o Nordeste à África — e de lá à China, sem passar pelos Estados Unidos ou pela Europa. Outro motivo seria a grande oferta de energia renovável, sobretudo no Nordeste, no momento em parte desperdiçada”.
Enfim, se a engrenagem girar, um pedaço do litoral e do território cearense podem consolidar-se como nó internacional de computação no Atlântico Sul, com efeitos duradouros sobre emprego qualificado, inovação e a economia real do estado. Há estudos de instituições financeiras que já antecipam esse quadro.