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A batalha das lagartas. Por Angela Barros Leal

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Lagarta. Foto: Freepik

Minha vizinha corre atrás de mim no estacionamento do prédio para reclamar que minhas lagartas estão destruindo as plantas da varanda dela. Antes de me desejar bom dia, queixa-se das lagartas enoooormes, como me diz de olhos arregalados, apontando o espaço entre o indicador e a base da mão. São lagartas velhas, me garante com o rosto retorcido de desgosto diante da invasão procedente das minhas plantas. São lagartas de fome inusitada e voraz, caídas da minha varanda diretamente sobre as desprotegidas folhagens da varanda dela.

Entre os carros estacionados na claridade artificial da garagem, faço a indagação óbvia: como ela sabe, com tamanha segurança, que as lagartas são minhas. Ela mora dois andares abaixo do meu apartamento. Dois andares. Uma vasta extensão de espaço vertical, constantemente batido pelo vento, um continente inteiro de cimento e pastilha, a ser vencido por lagartas tão leves que 1 quilo delas não deve pesar 100 gramas.

Como imagina ela que se comportariam essas lagartas contorcionistas, desafiando as leis da física ao se lançar da minha varanda, traçando um arco no ar, no afã de evitar o andar imediatamente abaixo do meu, logo acima do dela, antes de despencarem como pedras, atiradas por mim, no seu jardim suspenso.

O ímpeto bélico da vizinha, alimentado pelos odores de óleo, gasolina e umidade subterrânea, não arrefece: as lagartas são minhas porque eu tenho plantas, e o apartamento que nos separa quase não as tem. Quase. Visualizo e rememoro a luxuriante floresta que brota das nossas três varandas, rumo aos céus. Eu tenho, você tem, ela tem, e esse é um fato comprovável.

A vizinha arrefece a fervura em alguns décimos e desvia a acusação. Então, revida ela redirecionando o alvo, estou afirmando que as lagartas procedem do andar entre o meu apartamento e o dela?

Pressinto o traçar de uma trama que levará a um conflito épico entre nós duas e uma terceira e ausente vizinha, jogando um trio de até então amigáveis criaturas num antagonismo cruel, deflagrando a Batalha das Lagartas, capaz de durar mil anos, tendo como cenário o ambiente confinado dos elevadores, as tensas reuniões de condomínio, os encontros indesejados na portaria e na garagem.

Não, respondo a ela, não tenho certeza que as lagartas sejam da minha vizinha de baixo. Ponto para ela, mas ponto também para mim, ao menos pelo desejo honesto de manter a paz. Como posso assegurar, em sã consciência, que as lagartas são da outra vizinha? Sei que não são minhas, porque há algum tempo mandei arrancar, com o coração partido, as sinuosas trepadeiras da qual brotavam lindas flores amarelas, que pareciam exercer um atrativo irresistível para a fome lagarticida.

Hoje, as plantas que restaram sofrem de lêndeas, me vejo forçada a confessar a ela, pequeninos pontos pretos que se enclausuram dentro das folhas dos fícus, plantados em jarro, realizando intramuros seu ofício fatídico.

Minha vizinha menospreza: lêndeas são inevitáveis, ela me diz com pouco caso, o que me leva a desconfiar que as plantas dela devem estar infestadas, abarrotadas, transbordantes de lêndeas. Pressentindo meu avanço a vizinha agarra-se outra vez às lagartas e exige uma solução definitiva e final.

Penso em desafiá-la a me comprovar, com o verde DNA das lepidópteras, a minha suposta maternidade. Que me traga o código de barras indicativo dessa minha criação. Que me entregue em mãos o certificado apontando como tendo sido gerado por mim, oriundo das minhas raízes, aquele exército destrutivo.

Aciono ao mesmo tempo o autocontrole e o controle da porta do meu carro. Com calma, pergunto a ela de onde teriam vindo então as minhas lagartas, já que acima de mim se projetam apenas varandas desérticas, só existem plantações de nuvens, e teorias de geração espontânea há muito foram derrubadas.

Tudo indica que o mesmo vento, responsável por trazer em seu sopro as minhas extintas lagartas, pode ter trazido também as dela, soprado da fonte primal de onde borbulham os insetos daninhos. Ou, mais provável, tenham as lagartas vindo como indesejado brinde nas plantas que sei termos comprado ao mesmo fornecedor.

Enquanto ela pensa, despeço-me com simpatia. Se nossa tolerância humana for destruída por simples lagartas, de ignotas origens, minha amiga, então não há muito mais que eu possa fazer.

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