Toda vez que ouvia algum defensor da “inovação e modernidade” apresentar projetos mirabolantes no Palácio do Campo das Princesas, Miguel Arraes, então governador de Pernambuco, cortava curto com seu tom de voz característico e sabedoria prática: “Modernidade em Pernambuco é fazer uma escola funcionar.” A frase, simples e profunda, reapareceu na minha memória nesta segunda-feira, quando recebi um grupo de estudantes do curso de Engenharia Ambiental da Universidade Federal do Ceará (UFC) – campus Crateús – para uma visita à CEGÁS, onde trabalho.
Nasci em Tamboril, no distrito de Sucesso, a poucos quilômetros de Crateús, e fui testemunha viva de uma realidade que marcou gerações: a ausência de universidades no interior do Ceará. Em 1976, tive que migrar para Fortaleza em busca de formação, pois não havia alternativa educacional na minha região. Hoje, no entanto, esse cenário se transformou. Tamboril conta com duas escolas profissionalizantes de tempo integral, e a educação básica praticamente se universalizou. Já Crateús, a cidade que antes via seus jovens partirem em busca de oportunidades, agora se tornou um polo de educação superior e tecnológica.
Durante a conversa com os alunos visitantes, descobri que um era de Teresina e outro de Fortaleza. Ou seja, estamos assistindo a um movimento inverso ao da década de 70, quando os filhos do sertão precisavam subir no “Sonho Azul” do trem rumo às capitais. Agora, as cidades do interior recebem estudantes de outras regiões, atraídos pela qualidade dos cursos e pela interiorização das universidades federais.
Esse é um dos impactos mais valiosos da expansão do ensino superior no interior: ele não apenas permite a permanência dos jovens em seus territórios, como também transforma cidades em polos de conhecimento, pesquisa, inovação e desenvolvimento regional. A universidade, quando bem estruturada, não é apenas um local de formação; é motor de progresso, de geração de empregos, de circulação de ideias e de fortalecimento de identidades locais.
Crateús é um exemplo disso. A chegada da UFC trouxe dinamismo à cidade. Ela estimula o comércio, atrai novos moradores, gera oportunidades e contribui para um povoamento mais inteligente e sustentável do semiárido cearense. Onde há universidade, há vida pulsando: culturais, científicas, sociais.
E tudo isso parte de uma ideia elementar: fazer a escola funcionar. O Ceará entendeu isso. E, com uma política educacional focada na valorização dos professores, na formação continuada, na gestão eficiente e no envolvimento das famílias e comunidades, alcançou resultados expressivos. Dados recentes mostram que o estado tem 87 das 100 melhores escolas públicas do Brasil nos anos iniciais, segundo o Ideb. Além disso, lidera rankings nacionais de alfabetização e desempenho no ensino fundamental.
Isso não é obra do acaso. É fruto de uma convicção: não existe inovação nem modernidade sem educação de qualidade. Antes de investir em tecnologia, é preciso investir em gente. Gente bem formada, crítica, criativa, capaz de transformar sua realidade.
Lembro com emoção de meus pais, que só puderam cursar o ensino primário, mas tinham a educação como valor supremo e herança mais nobre. Meu pai se orgulhava de dizer que todos os seus 16 filhos entraram na universidade. Sempre que um de nós passava no vestibular ou se formava, ele redigia uma nota em sua velha Olivetti para ser lida na Rádio Educadora de Crateús. Era a sua forma de celebrar a vitória coletiva de uma família que apostava na educação como caminho.
E, claro, nada disso teria sido possível sem o apoio decisivo do meu irmão mais velho, o Gentil. Ex-seminarista, engenheiro civil por formação e gentil por vocação, ele destinou por anos parte do seu salário para financiar os estudos dos irmãos mais novos. Ele entendeu, na prática, que educação é um investimento que se multiplica.
Crateús hoje é mais que uma cidade do sertão: é uma cidade universitária, abrindo estradas para o Sucesso. E isso é uma das maiores expressões de modernidade que o nosso interior poderia alcançar.
