Por Uinie Caminha
Post convidado
Desde 2013 tenho participado, em alguma medida, de processos para a elaboração de leis em sentido amplo. Desde o Projeto de Código Comercial apresentado ao Senado Federal (PLS 487/13, ainda tramitando), em cuja elaboração participei desde o início fazendo parte da Comissão de Juristas apontados pelo Presidente do Senado, ao PL 1572/2011 da Câmara dos Deputados, caso em fui incluída em 2013 dentre aqueles que trabalhavam em seu aprimoramento.
Essas primeiras experiências trouxeram um misto de surpresa e estranhamento por conta dos labirintos do processo legislativo, com o qual não temos, em regra, nenhum contato durante a faculdade de direito, e, no meu caso, nem depois em meu longo caminho de estudos de pós-graduação.
Desde conceitos desconhecidos relativos a emendas – supressivas, aglutinativas… – destaques, substitutivos… entre as sirenes, com as quais acabamos nos acostumando, até os intermináveis corredores e salas de comissões do Congresso por onde sempre acabava me perdendo… certamente um ambiente pensado para ser desconfortável para a maioria, especialmente para os novatos.
Todavia, o mais surpreendente – se não amedrontador, é a forma idiossincrática como as leis são propostas, pensadas e discutidas. Pude perceber que, ordinariamente, não há uma fundamentação razoável ou uma consideração séria sobre os efeitos de uma regra… por que 30 dias, e não 15? Por que 40 salários mínimos e não 45? Muitas vezes os propositores de medidas legislativas não têm muito mais que boa intenção, ou interesses específicos. Como se pode mudar isso?
Mais recentemente, todavia, têm surgido alguns movimentos que pretendem transformar esse cenário. Notei essa mudança quando participei de algumas iniciativas no Ministério da Economia no sentido de eliminar burocracia e tornar o ambiente de negócios mais agradável no Brasil. A Lei 13.873/2019 – Lei da Liberdade Econômica, traz a obrigatoriedade de análise de impacto regulatório e o conceito de abuso regulatório – esse último que, se aplicado à risca, seria capaz de fulminar a maior parte do intrincado e peculiar sistema de regulação nacional. Esses institutos acabam por exigir estudos e avaliação técnicos sobre consequências e relação custo/benefício da regulação para se seja integrada no ordenamento jurídico.
Note-se que, além disso, nossos fazedores de leis poderiam – e deveriam, ouvir e considerar a opinião daqueles que terão que utilizar suas “obras” no dia a dia. Fazer leis, em sentido amplo, e mais, fazer leis bem feitas, exige técnica e conhecimento da realidade, teoria e prática jurídicas.
Aqueles que usam o direito como instrumento de trabalho, e aqui destaco professores e advogados, muitas vezes são pegos de surpresa por alterações ou inovações legislativas, quando, na verdade, seria de grande valia sua participação no processo legislativo, tanto pelos fundamentos teóricos, quando pela vivência prática do direito.
Aqueles que não vivem o direito no cotidiano pouco podem contribuir na solução de problemas do mundo real. Em vários casos, nas palavras do amigo “jurimetrista” – professor e advogado – Marcelo Guedes, propõem soluções que procuram um problema, ao invés de solucionar um problema real. E não podemos criar soluções para algo que não conhecemos.
Por isso mesmo, fico muito à vontade para opinar, formal ou informalmente, em debates sobre alguma alteração em Direito Comercial, mas limito-me a “achar” ou “dar pitaco” em mesa de bar ou grupo de Whatsapp sobre outros assuntos.
É importante levar em conta que, para uma atuação efetiva do advogado na formação legislativa, faz-se necessário separar essa atuação de sua advocacia privada, sob pena de sermos vistos como “lobistas” (o que, em si, não é pecado, se esse for o intento). Todavia, se a ideia é realmente dar um viés de vida real ao que se põe no papel, deve-se ter informação, dados e conhecimento de e das causas de maneira desinteressada, sob pena de termos a credibilidade abalada.
É tentador ser capturado por interesses de clientes e setores, mas uma vez superado esse obstáculo, advogados podem e devem, além de dar uma perspectiva prática aos conceitos acadêmicos, acrescentar uma boa dose de realidade ao que é publicado nos diários oficiais.
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