A infância no colo do mal; Por Walter Pinto Filho

COMPARTILHE A NOTÍCIA

“O que se planta na infância florescerá no futuro — seja virtude, seja ruína.” (Sêneca)

No Ceará, o enredo é digno de uma tragédia social: um membro de facção é atraído a um motel por uma jovem mulher. Lá, a armadilha se fecha. Um vídeo expõe o desfecho brutal — o homem, encurralado no banheiro, é executado com múltiplos disparos, sem qualquer chance de defesa. Segundo policiais que atenderam à ocorrência, o cenário era de impiedade absoluta: um corpo crivado de balas no chão frio de uma suíte qualquer.

A mulher, peça central na emboscada, foi presa em flagrante e teve a prisão convertida em preventiva. Alegou que tem quatro filhos menores para cuidar e, assim, recebeu o benefício da prisão domiciliar. O argumento soa nobre: “os filhos precisam da mãe”. Mas é aqui que a pergunta incômoda surge: que mãe é essa? Que educação pode oferecer uma mulher cúmplice de um homicídio cruel? O exemplo que ela dá não é de proteção — é de adesão à barbárie.

O sistema, em sua compaixão muitas vezes equivocada, esqueceu o essencial: uma mãe de verdade estaria em casa, zelando pelos filhos — não atraindo homens para a morte. O fato de ter quatro filhos não deveria abrandar sua situação; ao contrário, deveria agravar: ela traiu os próprios filhos quando escolheu o caminho do crime.

Nos últimos anos, tem-se visto a Justiça brasileira cada vez mais inclinada a favorecer o discurso humanitário em detrimento da proteção da sociedade. Decisões assim são fruto de uma cultura jurídica que, embora bem-intencionada, frequentemente perde de vista as consequências reais para as vítimas e para o tecido social.

Ao permitir que crianças cresçam sob a tutela de uma mãe que pactuou com a morte, o Estado entrega-as ao perigo mais insidioso: a normalização do crime. O colo da mãe se torna tribunal do sangue, onde não se aprende o valor da lei — apenas a lógica da força. E quando o crime se torna lição de berço, não é só uma linhagem que está perdida: é toda uma geração que já nasce condenada.

As ruas, sempre implacáveis, já sussurram a condenação. Não há inocência que resista ao estigma de uma mãe envolvida num homicídio mercenário. Seus filhos, ainda incapazes de compreender a extensão da tragédia, já carregam nos ombros o peso de olhares que julgam, dedos que apontam. E, sob as ordens de quem transformou o lar em extensão do crime, são eles as primeiras vítimas de um destino que se adensa em sombras.

Quando a sociedade normaliza o crime e o transforma em lição de berço, crianças se perdem — e, com elas, o próprio futuro, envenenado desde a origem. Afinal, como advertiu Dostoiévski:

“O grau de civilização de uma sociedade mede-se pela forma como trata suas crianças.”

Emerge desse lar não a esperança, mas as raízes de um mal que já se alimenta da inocência.

Walter Pinto Filho é Promotor de Justiça em Fortaleza, autor dos livros CINEMA – A Lâmina que Corta e O Caso Cesare Battisti – A Confissão do Terrorista. www.filmesparasempre.com.br

COMPARTILHE A NOTÍCIA

PUBLICIDADE

Confira Também

Ciro Gomes caminha para filiação ao PSDB após almoço com cúpula tucana, em Brasília

AtlasIntel: 62% dizem que tarifa de Trump contra o Brasil é injustificada; 41% veem punição por Brics

Barroso responde a Trump com beabá sobre democracia e ditadura

Lula, o “Napoleão brasileiro”, saberá usar o presente político que recebeu de Trump

A crise escalou: Trump envia carta a Lula e impõe tarifa de 50% sobre exportações do Brasil

AtlasIntel: Com Bolsonaro fora, Lula segura a dianteira, Haddad testa força e direita se divide

Pesquisa AtlasIntel: Lula ganha fôlego, Haddad reduz desgaste e confiança política desaba

Morre, aos 97 anos, José Walter Cavalcante, um modernizador de Fortaleza

PSB e Cidadania fecham federação para driblar cláusula de barreira e 2026

União Brasil estressa Lula em Brasília e prepara jogo duro no Ceará

Trump x Musk: ameaça de deportação expõe racha na base conservadora

💸 Fidelidade em queda: só 3 deputados do CE apoiaram Lula no aumento do IOF

MAIS LIDAS DO DIA

Prêmio Nobel diz que o Pix é o futuro do dinheiro – e por isso incomoda

Do elevador da OAB ao porão da liberdade: Barroso e o modelo chinês de regulação? Por Gera Teixeira

Tarifaço de 50% dos EUA cai como bomba atômica no Ceará

Aviação brasileira bate recorde com 61,8 milhões de passageiros no 1º semestre de 2025

Trump anuncia acordo com Indonésia, membro do Brics, e promete tarifa zero para produtos dos EUA

Inadimplência cresce 9,9% no Ceará, mas varejo mantém alta nas vendas e no crédito em 2025

A infância no colo do mal; Por Walter Pinto Filho

STF dá aval para bancos tomarem bens sem acionar a Justiça: o que muda para quem deve?

Governo libera R$ 20,6 bilhões do Orçamento de 2025 com manutenção parcial do decreto do IOF