Por André Parente
Post convidado
O Governo do Estado do Ceará publicou Decreto que permite a quebra de sigilo fiscal sem autorização judicial. O fisco alega que as fraudes fiscais aumentaram e que a fiscalização deve garantir uma igualdade material do mercado. A gestora da pasta garante que essa troca de dados junto às instituições financeiras não será automática e deverá ser usada em casos excepcionais, sob um controle técnico prévio, assim como um rígido controle posterior desses dados coletados.
Do ponto de vista da legalidade, questões como a quebra de sigilo de dados bancários de sócios sob o indicio de uma irregularidade nas empresas deverão bater as portas de nossos tribunais. Em certas situações, onde o fisco achar oportuno, poderá o mesmo, através de plataformas digitais, obter de forma desburocratizada, todos os dados bancários dos sócios. Saberão assim, como a pessoa gastou, quem pagou, faturas de cartões de crédito e todos os dados financeiros íntimos da pessoa, não só do contribuinte. Tendo em vista que a pessoa humana não pode ser reduzida a contribuinte.
Não é raro que com base nessa suposta quebra de dados, o fisco possa encontrar fatos pretéritos que incidem uma nova autuação ou até mesmo o compartilhamento desses dados com outras autoridades. Lembrando que recebimentos de valores que não forem considerados como devidamente justificados serão considerados rendimentos não declarados, submetidos assim à incidência do imposto de renda, objeto de nova autuação pelo fisco federal. Tal polemica é objeto de repercussão geral junto ao STF acerca da constitucionalidade do artigo 42 da Lei nº 9.430/96, a autorizar a constituição de créditos tributários do Imposto de Renda tendo por base, exclusivamente, valores de depósitos bancários cuja origem não seja comprovada pelo contribuinte no âmbito de procedimento fiscalizatório.
O decreto nº 33.956/2021 tem como sustentação jurídica o § 1º do art. 145 da Constituição Federal que faculta à Administração Fazendária a identificação do patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas dos contribuintes. A lei complementar de nº 105/2001 em seu art. 6º prescreve as hipóteses em que autoridades e agentes do Fisco poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras. Neste mesmo sentido, o inciso II do art. 197 do Código Tributário Nacional (CTN) cominado com o inciso IV do art. 82 da Lei n.º 12.670/96 que trata da obrigatoriedade de bancos e instituições financeiras prestem informações junto ao fisco.
Não obstante o combate a fraude fiscal e a garantia de isonomia material. O entendimento da Excelsa Corte sobre a constitucionalidade da lei complementar nº105 entendeu que é licita a quebra do sigilo bancário pelo fisco, sem que haja interferência de órgão equidistante e que pelos próprios Ministros passou a ser chamado de transferência de sigilo. Prevaleceu por sua vez, o entendimento de que a norma não resulta em quebra de sigilo, mas em transferência de sigilo da órbita bancária para a fiscal, ambas protegidas contra o acesso de terceiros.
Acontece que pouco a pouco, as legislações infraconstitucionais inovam no sentido de garantir uma amplitude maior ao poder de fiscalização. Aos poucos os fins justificam os meios. E o bom contribuinte poderá correr o risco de ter seus dados bancários vazados pelo próprio fisco, afinal no mundo digital, as informações se resumem a acesso ao sistema.
Neste sentido, o decreto restringiu que a obtenção desses dados deverá passar pelo crivo do Secretário da Fazenda ou Secretário Executivo da Receita Estadual que após requisição precedida de formalização do servidor da SEFAZ, onde deverá , em primeiro lugar intimar o contribuinte, através de Termo de Intimação, para prestar as informações relativas a contas de depósito ou aplicações existentes em instituições financeiras, no prazo de até 10 dias contados da ciência da intimação, prorrogáveis por igual período, a critério da autoridade fiscal.
Segundo o desembargador Leandro Paulsen do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, na quase totalidade dos países ocidentais, existe a possibilidade de acesso às movimentações bancárias sempre que tal seja importante para a apuração de crimes e fraudes tributárias em geral. No Brasil, não é diferente. A possibilidade de quebra depende da análise do caso concreto, considerando-se as suas circunstâncias específicas e o princípio da proporcionalidade.
Importante não esquecer que no julgamento da Lei complementar de nº105 no julgamento conjunto das ADIs 2390, 2859, 2386 e 2397, RE 601.314/SP o STF ressalvou que a lei estabelece rigorosos requisitos para que o Fisco requisite as informações, que está condicionada à existência de processo administrativo em curso, atraindo as garantidas da Lei 9.784, ou seja, dever de observância dos princípios da motivação, finalidade, proporcionalidade e interesse público.
Esperamos que as autoridades fazendárias tenham cuidado em relação aos dados sensíveis de seus contribuintes e que a quebra de sigilo bancário não seja usada a priori, pois esses dados sigilosos, caso não sejam guardados de forma segura, podem arruinar a intimidade da pessoa humana.