Bem sabia que ele não media as consequências de uma mesa de baralho. Mesmo assim o emprestou para que continuasse. Afinal, ele iria pagar. Pagaria, pois só assim poderia continuar a jogar, empurrando para frente o inevitável encontro com o espelho.
Sabia que alguém iria sangrar, mas queria era receber o seu, e agora, ser o cara legal que emprestou para ele a esperança de tirar a sorte grande que inevitavelmente não virá.
Claro que isso tem consequências no desarranjo das forças de seus entornos, mas nada como uma boa roupa para ninguém perceber de onde vem a trepidação, ou que a perceba como uma suave música e não como o silêncio que antecede a tempestade, a explosão.
A loucura permeava o ar docemente e permitia bailar na borda do abismo. A roupa era leve, não pesava. O que pesava mesmo eram as consciências, mas essas que se danem, ninguém as vê.
O caos, que não cai do céu, é cuidadosamente plantado, regado e adubado. Quando aparece magnificamente adentrando a sala, é que se percebe que ele foi criado. É a força que pulsa a vida no seu flerte com a morte e que a confusão mental não permite fazer a diferença entre se é perigo ou sexo, ambos igualmente excitantes.
No rodopio dessa dança louca, as roupas se desfazem. Na exposição dos corpos cansados, o caos mostra sua face. Aparta e desfaz o quebra-cabeças longamente montado, e, cuidadosamente, pisoteia algumas peças para que ele jamais seja novamente como era ao ser inicialmente montado.
A música cessa. Os corpos expostos, cansados, procuram se recompor e, com o que resta das peças do quebra-cabeça, o remonta. Cada um procurará explicar, a seu modo, o que é esse desenho que agora foi montado.
A refeição é posta. As cartas continuam na mesa a espera de novos parceiros. A vida segue de braços dados com a morte.
