
“Amar a verdade é odiar a ilusão.” — Santo Agostinho, Confissões (X, 23)
Há séculos, pessoas se dizem mensageiras da salvação, mas são algozes da liberdade. Em nome de uma fé mutilada, pregam o desprezo ao corpo, ao prazer e à alegria. Transformam a existência em penitência. Contra eles, ergue-se a lucidez de quem recusa o delírio como virtude.
Respeito os que creem, mas rejeito o uso do medo como doutrina. A crença autêntica nasce da liberdade, não do terror do inferno. O ateu honesto — que vive com ética e ama a vida — é mais digno que o fanático que se esconde atrás de promessas irreais. A história recente, marcada por inocentes explodidos em nome de credos insanos, é uma prova inatacável dessa realidade sangrenta.
O fanático foge do mundo. Demoniza o prazer, persegue o desejo e glorifica a culpa. Mas o próprio Cristo declarou: “Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância.” É a vida com um propósito de ser. A fé verdadeira não mutila — ilumina.
O prazer entre um homem e uma mulher é o instante em que o Criador toca a matéria viva e sorri. Quem demoniza isso não é puro, é doente. Jejuns forçados, castidade compulsória, fuga da realidade — nada disso é espiritualidade. São atos hostis à carne e à própria vida.
Não sente à mesa com o fanático. Ele se diz “eleito”, mas é prisioneiro de um medo que veste de virtude. Usa Deus como álibi para o ódio que o habita. Ataca crentes e descrentes — não por fé, mas por pavor do que não controla. Não se curve: o “reino de Deus” não é uma herança futura, mas a centelha de justiça e ternura que sobrevive em meio ao caos.
Nietzsche enxergou isso. Com sua lucidez cortante, rasgou o verniz das instituições religiosas que transformaram o Evangelho em manual de punição. Ele não atacava o Cristo da compaixão — atacava os que usaram seu nome para construir tronos, templos e tribunais. O verdadeiro espírito livre é o que encara o vazio e, ainda assim, escolhe permanecer.
Religiões que se impõem pelo medo, que sufocam o corpo e castram o pensamento são asilos da covardia. Chamam de fé o que é fuga; chamam de pureza o que é medo do real.
“A fé começa precisamente onde o pensamento termina — mas jamais contra ele.” (Kierkegaard, Temor e Tremor)
E os que abraçam a existência — mesmo sem a promessa do além — caminham entre ruínas com a serenidade dos que nada esperam e, por isso mesmo, estão livres. E, ainda assim — este sopro breve e lúcido — é tudo o que temos.
Walter Pinto Filho é Promotor de Justiça em Fortaleza, autor dos livros CINEMA – A Lâmina que Corta e O Caso Cesare Battisti – A Confissão do Terrorista.www.filmesparasempre.com.br