Do cientista político Andrei Roman (AtlasIntel): Lula não é favorito em 2026 porque perdeu o ‘bônus Nordeste’

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Andrei Roman em entrevista ao Focus Poder na eleição passada, em 2024.

A leitura de Andrei Roman, cientista político romeno com doutorado em Harvard e CEO da AtlasIntel, lança luz sobre o quadro eleitoral de 2026. Sob sua liderança, a Atlas se consolidou como uma das empresas de pesquisa mais precisas do Brasil e do mundo — prevendo resultados eleitorais com rara acurácia, tanto em disputas nacionais quanto internacionais, a exemplo da vitória de Donald Trump nos Estados Unidos.

Desde as duas últimas eleições brasileiras, a AtlasIntel mantém relação próxima com o Focus Poder, oferecendo diagnósticos que ajudaram a compreender, em tempo real, as mudanças de humor do eleitorado. Agora, Roman sustenta que Lula não chega como favorito à corrida presidencial do próximo ano.

Segundo ele, o presidente perdeu o que sempre foi o trunfo mais poderoso do PT: o “bônus Nordeste” — aquela vantagem estrutural na região que, por duas décadas, compensava as derrotas no Sul e no Sudeste. Ao lado disso, a migração cultural da classe C para a direita e a força organizativa do bolsonarismo redesenham o tabuleiro.

Roman afirma que, em condições normais, a chance de Lula perder é maior do que a de vencer. Mas a política, lembra, nunca se resume a fatores estruturais: tudo dependerá também da conjuntura, sobretudo da escolha de Jair Bolsonaro sobre quem carregar como candidato em 2026.

1. O cenário estrutural de Lula em 2026

  • Teto de aprovação: Lula enfrenta limites claros para crescer além dos 50% de aprovação atuais.

    • Aproximar-se de 55% seria quase o teto estrutural: 33% do eleitorado é bolsonarista convicto e outros 10% são antipetistas consistentes.

  • Efeito Trump: o choque econômico das tarifas impostas pelos EUA deu algum fôlego político, mas já teria atingido um teto. Só um cenário dramático e bem conduzido poderia mudar substancialmente esse quadro.

  • Risco maior de derrota: estruturalmente, hoje há mais chances de Lula perder do que ganhar em 2026.

2. A classe C e a ascensão da direita

  • Mudança cultural: a classe C, outrora base do lulismo, migrou em grande parte para a direita.

  • Novo discurso aspiracional: o apelo é a ideia de prosperidade por mérito próprio, liberdade econômica, apoio a negócios e impostos mais baixos.

  • Esquerda deslocada: Lula e o PT não atualizaram seu discurso para contemplar esse grupo que já não se sente representado por políticas de transferência de renda.

  • Fenômeno cultural consolidado: sertanejos, pastores evangélicos, influenciadores digitais (como Pablo Marçal) e boa parte do ambiente aspiracional da classe C se alinham hoje à direita.

3. O “bônus Nordeste” em erosão

  • O PT historicamente compensava perdas em outras regiões graças ao forte apoio no Nordeste.

  • Segundo Roman, esse bônus está se deteriorando por três razões principais:

    1. Esgotamento do efeito Bolsa Família: os programas sociais se tornaram “estruturais” e perderam força política.

    2. Governadores sem popularidade: ausência de líderes com o peso de Rui Costa ou Camilo Santana, enfraquecendo o campo da esquerda na região.

    3. Crise na segurança pública: avanço das facções, chacinas e violência crescente em grandes cidades como Fortaleza e Salvador. A esquerda não consegue oferecer respostas convincentes nesse tema.

  • Roman é enfático: essas três variáveis se combinam de forma multiplicadora, criando uma verdadeira tempestade para o PT no Nordeste, que concentra 27% do eleitorado nacional.

4. O peso de Tarcísio de Freitas e do bolsonarismo

  • Candidato competitivo: Tarcísio é visto como a maior aposta da direita e a principal chance de Bolsonaro resolver seus problemas jurídicos (pela promessa de indulto).

  • Conflitos internos: as brigas na família Bolsonaro — como críticas de Eduardo a Tarcísio — podem paradoxalmente reforçar a posição do governador paulista, por seu apelo junto ao eleitorado moderado.

  • Hegemonia bolsonarista: candidatos como Eduardo Leite, Caiado ou Ratinho Jr. teriam mais força no segundo turno, mas não conseguem viabilidade porque não orbitam o bolsonarismo.

  • Michelle Bolsonaro é um nome nacional, mas Tarcísio desponta como a alternativa mais sólida.

5. O papel do Congresso e do Senado

  • Mudança gradual na Câmara: não há expectativa de viradas bruscas.

  • Avanço no Senado: bolsonarismo pode conquistar espaço relevante, inclusive em estados onde nunca foi forte. A bandeira de “tirar o Supremo das mãos da esquerda” é forte catalisador.

  • Centrão em risco: vulnerabilidade para perda de relevância na nova configuração.

6. Economia e insatisfação cotidiana

  • Números não bastam: crescimento do PIB e desemprego baixo não se traduzem automaticamente em aprovação, como no passado.

  • Trabalhador médio: sofre com salários baixos diante do custo de vida, Selic alta e dificuldade para financiar moradia.

  • Sensação difusa de estagnação: a população não percebe avanço concreto em qualidade de vida.

7. Cansaço político e temperatura mais fria

  • Menos fervor: após Lava Jato, impeachment e facada de 2018, a política perdeu intensidade.

  • Bolsonarismo: consolida um discurso vitimista com a prisão domiciliar do ex-presidente, mas sem incendiar o país.

  • Esquerda: enfrenta dificuldades para convencer que o governo Lula superou expectativas.

  • Há um cansaço difuso com a liderança política nos dois campos.

Conclusão

A leitura de Andrei Roman reforça a ideia de que 2026 tende a ser a eleição mais competitiva desde 1989.

  • Estruturalmente, Lula chega mais frágil, sem o bônus do Nordeste e sem a hegemonia da classe C.

  • Conjunturalmente, a definição do candidato da direita — com Tarcísio como favorito — será decisiva.

  • A margem de decisão deve ser estreita, e o cenário é de incerteza, mas com um componente claro: o equilíbrio do jogo político brasileiro mudou, e o lulismo já não entra como favorito automático.

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