No dia 30 de julho de 2025, o Supremo Tribunal Federal emitiu uma nota oficial em defesa do ministro Alexandre de Moraes, alvo de sanções por parte do governo dos Estados Unidos. Em um dos trechos mais solenes da nota, lê-se: “O Supremo Tribunal Federal não se desviará do seu papel de cumprir a Constituição e as leis do país, que asseguram a todos os envolvidos o devido processo legal e um julgamento justo.” A frase é nobre, firme, mas carrega uma dissonância incômoda entre discurso e prática.
A Constituição Federal de 1988 estabelece, com clareza e força, o papel do Judiciário: julgar com imparcialidade, garantir a ampla defesa, respeitar o contraditório, assegurar o devido processo legal. No entanto, quando o próprio tribunal acumula funções investigativas, acusatórias e julgadoras, como se tem visto nos inquéritos de ofício, rompe-se a espinha dorsal do modelo acusatório, sustentado nos artigos 5º, 129 e 102 da Carta Magna.
O que se entende por “devido processo legal” quando decisões sigilosas mantêm réus por meses sem acesso integral aos autos? O que resta de “julgamento justo” quando o relator é ao mesmo tempo investigador, juiz e, por vezes, vítima? Onde se esconde o “cumprimento da Constituição” quando a liberdade de expressão é interpretada como crime, e opiniões viram ameaças?
Não se trata de defender réus ou atacar ministros. Trata-se de reafirmar o que os tribunais deveriam ser: guardiões da Constituição, não protagonistas de um processo que fere seus princípios mais caros. A Justiça, quando deixa de ser equilíbrio, passa a ser instrumento. E o instrumento, nas mãos erradas, transforma-se em arma.
A solidariedade a um ministro é compreensível no plano humano. Mas é insuficiente, até perigosa, se encobre desvios institucionais. A confiança da sociedade não se conquista com comunicados bem redigidos, mas com coerência entre os princípios proclamados e as condutas adotadas.
Se o Supremo deseja ser respeitado como a cúpula do Judiciário e não como a cúpula de um poder político, é tempo de autocrítica, não de autoafirmação. A autoridade de uma Corte Constitucional não se impõe por notas públicas, mas se conquista na consciência dos cidadãos, pela fidelidade inegociável à própria Constituição.
Não há democracia sem justiça. Mas tampouco há justiça onde o poder suprime a lei. E, acima de tudo, a Constituição não é uma arma de ocasião: é o pacto de um povo livre com o seu próprio destino.
