Mamãe, eu fiz: o caso Ronivaldo e a hipocrisia ideológica
Fábio Campos
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Para evitar julgamentos drásticos diante de atitudes incomuns, vale sempre tomar a vacina filosófica do “Nada que é humano me é estranho”. Qualquer pessoa — qualquer uma, inclusive você — pode, num momento de raiva extrema, perder o controle e cometer uma loucura. Há, inclusive, um consagrado atenuante legal para o caso, quando um crime for cometido sob “violenta emoção”. Enfim, acontece.
Contudo, somos socialmente responsáveis pelos nossos atos e havemos de responder por eles, sobretudo aqueles que respondem por funções públicas e mais ainda os que o fazem de modo representativo, pela conquista do voto dos cidadãos. Os presídios estão cheios de pessoas que foram passar longas temporadas no inferno por atos impensados — episódios que penalizam uma vida toda. Lamentável.
O vereador Ronivaldo Maia — desde a juventude um militante das causas igualitárias, inclusivas e emancipacionistas — jogou o carro que dirigia sobre uma mulher de sua relação ao fim de uma áspera discussão numa flagrante tentativa de homicídio que já lhe custou um período de prisão preventiva por alguns meses e pela qual responde judicialmente. Consta, pelo depoimento da mãe de um filho seu divulgado em telejornais, que ele a havia agredido fisicamente diversas vezes. Logo, há precedentes.
Como sabem, a Comissão de Ética da Câmara dos Vereadores arquivou um pedido de cassação de seu mandato. Somente uma edil (única mulher do colegiado) votou contra o arquivamento. Até o momento, não há conhecimento de que algum parlamentar de seu partido (PT) tenha se manifestado contrário à decisão — valendo para o caso a máxima de que “a omissão diante da opressão representa apoio efetivo ao ato do opressor”.
Apesar de manifestos de repúdio da militância feminista dos partidos de esquerda, o caso também se arrasta na Comissão de Ética do PT com a mesma morosidade dos aliados de Bolsonaro do Centrão ao tratar os “deslizes” misóginos do filho do presidente, que ironizou com escárnio os terrores da tortura psicológica a uma militante grávida, recebendo de parlamentares petistas, companheiros de Ronivaldo, veementes protestos.
Em paralelo, vale lembrar que a Comissão de ética da Assembleia Legislativa de São Paulo se posicionou favorável à cassação do mandato de seu membro Artur do Val (o “Mamãe falei”) pelos comentários deploráveis que fez — em rede privada, com vazamento de áudio — sobre o que ele julgava ser a boa receptividade das ucranianas pobres ao assédio masculino de homens estrangeiros — vadias de olho azul, seria, em resumo, sua versão.
Qualquer pessoa que acompanha a participação das lideranças de esquerda nas redes sociais recorda a unânime e implacável condenação moral que fizeram das declarações do deputado bolsonarista. O linchamento moral do “Mamãe falei” foi pauta obrigatória de postagens nas redes sociais de todos eles. Na atmosfera daquele momento, quem se omitisse se tornaria cúmplice. Foram todos para o pau.
Ora, o vereador de Fortaleza não falou: fez! O que têm a nos dizer agora, da decisão da câmara, as lideranças de esquerda no Ceará? Agirão com coerência, recriminando a impunidade, ou irão retirar de suas páginas nas redes sociais as postagens em que exigiram a cassação do fascista misógino Artur do Val — não pelo que fez, mas pelo que disse?
Para finalizar, com o fito de desestimular réplicas, posso oferecer, como cereja podre desse bolo mofado da hipocrisia moral, o caso recente em que uma celebridade militante do PT, o ator José de Abreu, ameaçou no twitter baixar a porrada na deputada federal Tábata Amaral sem que, nos dias seguintes, nenhuma crítica pública se tenha visto de militantes feministas de proa do PT, como Maria do Rosário, Márcia Tiburi e Luizianne Lins. No caso, mexer “com um não mexeu com todas”
Ricardo Alcântara é publicitário, escritor e colaborador do Focus.