
O Ministério Público do Ceará (MPCE), por meio do Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente (Gaema) e da 134ª Promotoria de Justiça de Fortaleza, emitiu uma recomendação contundente nesta sexta-feira (24/10) para que permaneçam suspensas as licenças ambientais que autorizaram o desmatamento de 46 hectares de vegetação nativa no entorno do Aeroporto Internacional Pinto Martins, em Fortaleza.
O caso envolve a derrubada de uma área de Mata Atlântica em estágio médio a avançado de regeneração, destinada à construção de um centro logístico — empreendimento que avançou sem o devido controle ambiental da gestão municipal.
De acordo com o relatório técnico do Núcleo de Apoio Técnico (Natec) do próprio MPCE, a área desmatada possuía características típicas de floresta madura, com espécies nativas como pau-ferro, timbaúva, ipê e embaúba, além de formação de microclima úmido e presença de curso d’água — o que torna o corte de vegetação ainda mais ilegal à luz da Lei da Mata Atlântica (Lei nº 11.428/2006).
O documento foi elaborado após vistorias in loco e análises de imagens de satélite históricas, que revelaram que a cobertura arbórea era predominantemente fechada, garantindo sombra, umidade e equilíbrio térmico — elementos típicos de áreas ecologicamente estáveis e protegidas por lei.
⚠️ Falta de fiscalização e omissão do poder público
O caso acende um alerta sobre a omissão do poder público municipal de Fortaleza, que falhou no dever de fiscalizar e impedir o desmatamento antes que o dano se consolidasse. Mesmo sendo uma área sensível e sabidamente integrante de remanescente de Mata Atlântica urbana, o poder público local se manteve inerte diante da movimentação de máquinas e da abertura de clareiras.
Fontes ligadas ao MPCE relatam que nenhuma ação preventiva ou embargo imediato foi realizado pelos órgãos municipais responsáveis, apesar das denúncias prévias feitas por moradores e ambientalistas.
Esse cenário de fiscalização ausente demonstra um padrão recorrente de permissividade que favorece empreendimentos de grande impacto ambiental, sem a devida análise técnica, consulta pública ou compensação ecológica.
O promotor Fábio Ottoni, coordenador do Gaema, reforçou que o caso configura grave violação à legislação ambiental e revela uma lacuna institucional preocupante:
“O desmatamento não ocorre por acaso. Ele é fruto direto da ausência de controle e da negligência estatal. A Lei da Mata Atlântica é clara: em áreas de regeneração intermediária ou avançada, o dever do poder público é preservar, e não permitir que interesses econômicos se sobreponham à natureza.”
🏛️ Próximos passos e responsabilizações
A recomendação foi encaminhada à Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace), que deverá manter suspensas todas as licenças e autorizações ambientais vinculadas ao empreendimento. O MPCE seguirá investigando o caso e não descarta a abertura de ações civis públicas e criminais contra os responsáveis pelo desmatamento — inclusive contra agentes públicos que possam ter se omitido ou autorizado irregularmente a supressão da vegetação.
Além da apuração de responsabilidades diretas, o MPCE também analisa a eventual omissão de órgãos municipais de fiscalização ambiental, como a Secretaria Municipal do Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma) e a Prefeitura de Fortaleza, cuja ausência de monitoramento ativo permitiu a destruição de um dos últimos fragmentos de Mata Atlântica da capital.
🌳 Por que isso importa
A área devastada representa um dos poucos refúgios de biodiversidade urbana ainda existentes em Fortaleza, funcionando como barreira natural contra enchentes, ilhas de calor e escassez hídrica. A perda desse ecossistema não é apenas ambiental, mas também social e climática — impactando diretamente a qualidade de vida da população, especialmente das comunidades próximas.
O episódio expõe o vazio de governança ambiental em Fortaleza, onde interesses econômicos têm prevalecido sobre o planejamento ecológico e urbano, contrariando princípios constitucionais do desenvolvimento sustentável e da função socioambiental da cidade.
🔎 Vá mais fundo
O caso do desmatamento próximo ao Aeroporto de Fortaleza não é isolado. Ambientalistas e promotores vêm alertando há anos sobre a expansão imobiliária desordenada e o afrouxamento do licenciamento ambiental municipal, que frequentemente ignora relatórios técnicos e fragiliza os mecanismos de controle.
A ausência de uma fiscalização contínua e integrada entre Município e Estado tem transformado áreas de preservação em espaços de especulação.
Ao acionar o Gaema e o Natec, o MPCE busca restabelecer a autoridade ambiental e exigir que a lei seja cumprida, reforçando que a omissão do poder público é, por si só, uma forma de violação ambiental.







