
A ironia histórica está no contraste dos papéis: Sergio Moro, que ascendeu como juiz da Lava Jato e se tornou protagonista de um Judiciário severo, será agora julgado pela 1ª Turma do STF, integrada justamente por Cristiano Zanin — advogado que anulou suas sentenças em favor de Lula e que hoje ocupa cadeira na mais alta Corte. Em breve, a presidência da Turma passará a Flávio Dino, também crítico de Moro em sua trajetória política. É como se o destino invertesse os lugares no tabuleiro: o julgador de ontem se vê na posição de réu, diante de ministros com quem coleciona embates, numa cena que beira o literário. É o Brasil.
A acusação
A Procuradoria-Geral da República sustenta que Moro atribuiu falsamente a Gilmar Mendes a prática de corrupção passiva ao insinuar que o ministro “vende habeas corpus”. A fala ocorreu em 2022, durante evento festivo, quando o ex-juiz teria dito: “isso é fiança, pra comprar um habeas corpus do Gilmar Mendes”.
Para a PGR, não foi mera brincadeira: tratou-se de ataque direto à honra de um integrante da Corte, com repercussão nacional. Por isso, não houve abertura para acordo ou medidas alternativas.
A defesa
Moro argumenta que o comentário foi feito em tom de piada, antes de assumir o mandato de senador, e que o vídeo divulgado estaria editado. Alega ainda ter se retratado publicamente, o que, em sua visão, encerraria o caso. Questiona também a competência do Supremo, afirmando que o episódio não se relaciona ao exercício do mandato.
O tabuleiro
A PGR rebate: lembra que a frase circulou amplamente já em 2023, quando Moro já era parlamentar, e considera que a retratação não foi “cabal e irrestrita”.
O julgamento coloca frente a frente personagens que simbolizam momentos distintos da política e da Justiça brasileira: o ex-juiz da Lava Jato, agora senador, diante de ministros com quem coleciona atritos históricos.