Por 30 horas, parlamentares bolsonaristas sequestraram as duas Casas Legislativas nacionais em nome de seus interesses; ou melhor, no interesse daquele que têm por “mito”.
Com Jair Bolsonaro em prisão domiciliar e sem acesso às redes sociais, mesmo de terceiros, o bolsonarismo, como força-movimento, não pode descuidar da encenação daquilo que lhe é traço peculiar: o conflito virulento, a insurreição.
Nas imagens desta terça e quarta-feira (05 e 06/08), antecedidas devidamente de preces e orações para emular sujeitos ordeiros que se põem como sentinelas da “nossa liberdade” (tal qual aqueles que depredaram prédios públicos em 08/01/2023), vimos a tentativa de continuidade do 08 de janeiro: naquela ocasião, como agora, bolsonaristas buscavam fazer dobrar a seus interesses o funcionamento das instituições – em 2023, com seu “mito” derrotado nas urnas, urgia criar um caos social, defenestrar Lula e dar posse ao perdedor; agora, com seu “mito” já condenado, preso domiciliarmente por descumprir medidas cautelares, seria o momento de dar a Jair a anistia total, travestida de “ampla e irrestrita“, para que continue livre a atacar desafetos, adversários e instituições.
Se os lábios de parlamentares bolsonaristas estavam pateticamente lacrados, buscando fazer crer que estavam censurados, seus corpos, desejosos da virulência que lhes anima como ideologia, estavam a pleno vapor para, na lógica da força, impedir o funcionamento do Congresso “até que” sua agenda fosse pautada.
A ameaça estava explícita. Quem acessou suas redes viu, de diversos modos, a promessa de que só sairiam dali com a agenda posta na pauta. Nikolas Ferreira, por exemplo, disse em um desses vídeos que não estavam querendo que Motta aprovasse a anistia, mas que a pusesse “em votação“, pois os votos eles teriam.
Foram 30 horas de ameaças explícitas aos presidentes Hugo Motta e David Alcolumbre, expressas à luz do dia e ao som de microfones da imprensa (e nos reels das redes de quem se pôs a ver). Tanto assim que, nesta quinta (07/08), o próprio líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante, emulando tranquilidade e respeito às instituições, tratou de falar de reconciliação, pacificação e pediu perdão ao se dirigir a Hugo Motta. Não sem pôr, antes, no balaio dos agressores uma “deputada do PT que agrediu o deputado Nikolas“.
Vimos isso na eleição de 2018, nas palavras virulentas dirigidas contra Rodrigo Maia e o STF (ainda em 2019), durante a pandemia (contra o STF, prefeitos e governadores), nos “7 de setembro” (2021 e 2022), nos discursos pós-derrota eleitoral de 2022, e nos “atos” patrocinados por Silas Malafaia (só diante de Xandão é que a calmaria tomou a frente, rendendo até um convite para tê-lo como vice).
Foi de conflitos que se alimentou o governo (2019-2022), foi de conflito que se alimentou os acampamentos golpistas e a tentativa de golpe em janeiro de 2023, foi de conflito o conjunto de reações do mito às investigações e aos procedimentos judiciais e tem sido de conflito a tônica das reações de seus apoiadores nas ruas e, como se viu, no Parlamento.
Sem conflito ao instituído não existe bolsonarismo; daí ser fajuta sua alcunha de “conservador” que (se) (lhe) aplicam – afinal, busca mesmo é fazer ruir o que existe, se isso detiver as pretensões autocráticas que sonha exercer sobre o conjunto da nação. Conflituar, enfrentar, tensionar, fazer parar – eis o seu mote. Com seu líder preso, coube a parlamentares lembrar que esse é o modus operandi.
Conflito aberto foi também o que se viu na entrevista concedida por Eduardo Bolsonaro à jornalista Bela Megale, publicada nesta quarta no O Globo. Num trecho, respondeu que “trabalha, sim” para que aumentem as sanções sobre o Brasil após a prisão de seu pai, e que espera sair com “100% de vitória” nas suas empreitadas junto à casa Branca.
Cantando vitória, o bolsonarismo atiça seus apoiadores, e busca enganar a opinião pública, dizendo que será votado o “fim do foro privilegiado”, bandeira que mostra-se interessante a parte considerável dos cidadãos. O que querem, na verdade, é esvaziar o Supremo e pôr a questão nos braços de magistrados amigos.
No discurso populista há uma tríade estrutural que opera para legitimar-se: a enunciação da situação de crise e a vitimização na qual a sociedade estaria mergulhada; a identificação da fonte do mal, que deverá ser execrada e expurgada; e a emersão da figura do salvador.
Neste momento, o bolsonarismo trata de identificar Alexandre de Moraes, que personifica a Justiça, como a fonte de todo o mal que nos assola – daí a ideia de “ditadura da toga” e de Moraes como “um cri-mi-no-so“, como disse Malafaia no último domingo. Esse mal já foi a ideologia de gênero, o marxismo cultural, os direitos humanos, Paulo Freire, a esquerda, o petismo, o isolamento social, a vacina, Lula etc.
Os presidentes da Câmara e do Senado dobrar-se-ão aos interesses de Jair e à sana autoritária de seus liderados? Ficará tudo esquecido no pedido de perdão do líder do PL?