PEC da Blindagem ou PEC da Bandidagem?

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Na hora da votação, casa cheia e vitória da blindagem com folga. Resta o Senado.

Em poucas horas de plenário, a Câmara dos Deputados aprovou a chamada PEC da Blindagem. O apelido não é gratuito: o texto recria um escudo institucional para livrar parlamentares do alcance regular da Justiça. Se essa estrovenga for adiante, abrir ação penal contra deputados e senadores só será possível com autorização prévia da própria Casa — invertendo a lógica republicana de que todos respondem à Justiça em igualdade.

O que está no centro do problema
A espinha dorsal da PEC é a volta da “licença” legislativa para que o Supremo dê início a ações penais contra congressistas — regra que havia sido abolida em 2001 justamente por produzir impunidade. O texto também restringe a prisão de parlamentares a flagrante de crime inafiançável; mesmo assim, essa prisão só valerá se o plenário a confirmar em até 24 horas. Medidas cautelares, como afastamento ou bloqueio de bens, ficam concentradas no STF, vedando decisões de instâncias inferiores.

Houve tentativa de entronizar o voto secreto nessas autorizações. Caiu. As deliberações agora serão abertas, com prazo de até 90 dias para a Casa decidir. É um pequeno alívio, mas não resolve o essencial: o poder de travar processos continua com o Parlamento.

O projeto ainda expande o foro para presidentes nacionais de partidos — uma blindagem extra para quem opera o tabuleiro político. Creiam! Ser dono de um cartório partidário estabelece um privilágio absurdo.

O filme que já vimos — e deu muito errado
Entre 1988 e 2001, vigorou no Brasil a exigência de autorização do Congresso para processar parlamentares. O resultado é conhecido: centenas de pedidos enterrados e praticamente nenhum autorizado. Esse histórico não é detalhe, é prova de que a “licença” legislativa é, na prática, licença para a impunidade.

A PEC ainda prevê suspender a prescrição quando o plenário travar a abertura de ação. Parece duro, mas esconde o veneno: o processo não anda e a sociedade fica refém da vontade política do acusado e de seus pares.

Não é só Brasília: o efeito cascata nas Assembleias
Esse problema não se limita ao Congresso. Por força de interpretação constitucional, as imunidades federais acabam se estendendo aos deputados estaduais e distritais. Na prática, a lógica da blindagem desce a ladeira institucional: os legislativos estaduais ganham o mesmo poder de travar processos criminais contra seus membros — terreno ainda mais poroso à captura local e à influência de grupos ilícitos.

É nesse ponto que o perigo se agiganta. O Brasil trava guerra diária contra facções em bairros, estradas e fronteiras. Ao mesmo tempo, abre-se a porta para que essas organizações encontrem no Parlamento — e, pior ainda, nas assembleias — um porto seguro institucional para líderes e ecolhidos do crime organizado. Afinal, como todos desconfiamos, já há gente de facções nos parlamentos.

Patrimonialismo em horário nobre
O Brasil tem longa tradição de confusão entre o público e o privado, que Raymundo Faoro descreveu como um Estado patrimonial-estamental: o estamento político-burocrático legisla em causa própria para conservar privilégios. Max Weber chamou de dominação patrimonial a ordem em que a coisa pública é tratada como extensão do patrimônio dos poderosos. A PEC da Blindagem é a atualização desse velho enredo: o cargo cria o privilégio; o privilégio molda a lei; a lei protege o cargo.

O que essa PEC diz sobre nós
A maioria dos nobres deputados federais escolheu desconfiar do Judiciário e confiar no instinto de autopreservação de quem será julgado. Não há democracia madura que prospere nesse arranjo. O voto aberto evita o escuro do porão, mas não desmonta o cadeado: se a abertura de ação penal depende do réu-coletivo, o Judiciário vira refém e a mensagem às ruas é devastadora.

Pior: o recado ao crime organizado é cristalino — conquiste um mandato e ganhe tempo, foro e voto de colegas para te proteger.

E agora?

O Senado precisa derrubar essa emenda ou, no mínimo, desfigurar seu coração:

  • Eliminar a licença prévia para ação penal;

  • Manter o voto aberto com publicação nominal de cada decisão;

  • Fechar a janela de 90 dias com regra de aprovação tácita se a Mesa não pautar;

  • Revogar a ampliação do foro a dirigentes partidários.

Nada disso é radical; é o mínimo para um país que não aceita mandato como salvo-conduto.

A Câmara produziu uma PEC que rompe o equilíbrio entre poderes e humilha a ideia de República. Cabe ao Senado reverter a vergonha — não por briga de poderes, mas por respeito ao eleitor que quer um Parlamento forte para fiscalizar o governo, não para blindar a si mesmo.

Para entender os pontos-chave, com fatos e números:
• Votação: 353×134 e 344×133, com envio ao Senado. (Veja aqui como votu a bancada do Ceará)
• Voto secreto derrubado; deliberação aberta em até 90 dias.
• Prisão só em flagrante de crime inafiançável, com aval do plenário em 24h.
• Foro ampliado a presidentes de partidos.
• Extensão às Assembleias Legislativas pelo efeito cascata.
• Histórico de 1988 a 2001: 253 pedidos barrados.

Se o Senado falhar, não será apenas a reputação de Brasília a sangrar. A política porosa nos estados — onde o crime já disputa territórios, verbas e votos — terá encontrado seu porto seguro constitucional.

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