Em duas decisões recentes, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) consolidou o entendimento de que dados de geolocalização podem ser usados como prova digital em processos trabalhistas, sem violar o direito à privacidade ou as garantias previstas na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
A medida marca uma virada jurisprudencial no uso de tecnologias digitais em litígios sobre jornada e controle de trabalho externo.
⚖️ Geolocalização entra no radar da Justiça do Trabalho
A tecnologia de geolocalização, baseada em sistemas como GPS, Wi-Fi e redes de celular, tem sido cada vez mais utilizada para monitorar deslocamentos e validar registros de ponto — especialmente em atividades externas, como entregas, vendas e transporte de carga.
Agora, o TST reconhece que esses dados podem servir como prova legítima e proporcional, desde que solicitados com limites temporais claros e mantidos sob sigilo judicial.
Em um dos casos, julgado pela Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2), um propagandista vendedor da Sanofi Medley contestou a coleta de informações de GPS de seu tablet corporativo, alegando violação de privacidade.
O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região havia concordado com o trabalhador, suspendendo a medida.
Mas, ao recorrer ao TST, a empresa obteve decisão favorável: o ministro Douglas Alencar Rodrigues, relator do processo, afirmou que a geolocalização é uma prova digital válida, precisa e compatível com os direitos fundamentais.
“O processo judicial não pode ficar imune às transformações tecnológicas. O uso da geolocalização é legítimo desde que limitado aos períodos de trabalho e mantido sob sigilo judicial”, destacou o ministro.
O relator lembrou ainda que tanto a LGPD quanto o Marco Civil da Internet permitem o tratamento de dados pessoais para o exercício regular de direitos em processo judicial.
🏦 Precedente reforçado: Itaú poderá usar geolocalização em caso de horas extras
Em outra decisão, a Quinta Turma do TST autorizou o Itaú Unibanco a utilizar dados de geolocalização para verificar o cumprimento de jornada de uma bancária.
Nas instâncias inferiores, o pedido havia sido negado, mas o banco argumentou que o uso da tecnologia traria celeridade e segurança jurídica, evitando condenações baseadas apenas em presunções.
O mesmo relator, ministro Douglas Alencar Rodrigues, reiterou os fundamentos do caso anterior e ressaltou que a coleta deve se restringir aos horários de trabalho informados pelas partes.
Por unanimidade, a Turma determinou a nulidade dos atos processuais após o indeferimento da prova digital e ordenou o retorno do processo à primeira instância para reabertura da instrução.
🧭 Privacidade x controle: um novo equilíbrio digital nas relações de trabalho
As decisões refletem um movimento do TST de adaptação à era digital, em que dados tecnológicos passam a compor o núcleo probatório das disputas trabalhistas.
Ao mesmo tempo, reforçam que o direito à privacidade não é absoluto, devendo coexistir com a busca pela verdade real e pela eficiência da Justiça.
Segundo o entendimento consolidado, o uso da geolocalização não configura invasão de privacidade quando:
- há autorização judicial específica;
- os dados são estritamente necessários para o processo;
- e permanecem sob sigilo, disponíveis apenas às partes e ao juiz.
🔍 Por que isso importa
A decisão abre precedente importante para empresas e trabalhadores, ao definir parâmetros jurídicos para o uso de dados digitais em ações trabalhistas.
Ela também dialoga com o avanço da inteligência artificial e da automação de monitoramento corporativo, estabelecendo que a tecnologia pode servir à Justiça, desde que com responsabilidade e respeito à proteção de dados pessoais.
Especialistas avaliam que o posicionamento do TST pode reduzir litígios baseados em alegações genéricas de horas extras, permitindo provas mais objetivas e auditáveis. Por outro lado, acende um alerta para abusos de controle excessivo e vigilância indevida, exigindo transparência e limites legais no uso dessas ferramentas.
🧩 Vá mais fundo
A jurisprudência do TST reforça uma tendência: o cruzamento entre Direito do Trabalho, Tecnologia e Proteção de Dados.
Com o avanço do teletrabalho, aplicativos de entrega e plataformas digitais, a fronteira entre jornada e vida privada se tornou mais tênue.
A posição do Tribunal, ao validar a geolocalização, busca equilibrar eficiência probatória e direitos fundamentais, abrindo espaço para novos debates sobre o uso ético da tecnologia nas relações laborais.








