Ubi societas, ibi jus digital. Por André Parente

COMPARTILHE A NOTÍCIA

André Parente é advogado, sócio do escritório Parente&Abreu Advogados Associados. Especialista em direito da tecnologia. Escreve no Focus.jor mensalmente.

Por André Parente
Post convidado

Na Semana da Advocacia veem-se tantas incertezas que nos leva a refletir sobre o papel do advogado na era digital que o mundo está inserido. Ubi societas ibi jus, reafirma que o direito está intimamente ligado à existência de sociedades, notadamente nesta nova era digital: onde há seres humanos em convivência, ali existirão conflitos. No entanto, a forma de solucionar esses conflitos mudará de acordo com o grau de evolução de cada sociedade.

A comunicação sempre foi um divisor de agua na evolução do homem, a invenção da escrita, a ortografia, a mecânica newtoniana, a física quântica são exemplos notórios de mudanças nos mecanismos de comunicação. Em relação à ciência jurídica, a escrita e sua codificação foi um marco em seu percurso histórico, em especial em relação à segurança jurídica, possibilitando um salto na sua evolução cognitiva enquanto ciência.

No auge do positivismo jurídico, muitos juristas acreditavam que um sistema de direito codificado deveria ser capaz de prover a devida segurança jurídica. No Brasil, a ideia de plenitude do ordenamento jurídico aparece de tempos em tempos. Mas, a bem da verdade, os precedentes de Tribunais Superiores continuamente relativizam a segurança jurídica – observa-se, em relação aos problemas digitais, um amontoado de atos normativos espalhados para tudo o que é lado, com quase nenhuma eficácia e segurança jurídicas.

Para analisar o ambiente digital é necessário focar em sua essência – um estudo ontológico. Ao mesmo tempo e modo, deve-se contextualizar o debate ao grau de evolução da sociedade. Um ponto importante e urgente é esclarecer a dicotomia entre problemas antigos travestidos com roupagem digital, a exemplo do estelionato e crimes contra a honra. Nesses casos, infelizmente, a advocacia perdeu força, pois o judiciário não tem a mesma velocidade de resposta que essa nova realidade exige, fazendo com que o advogado tenha que recorrer a uma forma mais célere de solução de conflito – as plataformas digitais que unem as partes – com consequentemente diminuição de sua importância como profissional mediador.

Por outro lado, frente aos novos problemas oriundos da cultura em ambiente digital o profissional do direito ganha enorme importância. Assim, este artigo tem a intenção de discorrer sobre o ineditismo trazido pelo ciberespaço e compreender fenomenologicamente a sociedade digital, em que as concepções de espaço e tempo são relativizadas em consonância com os novos tempos da física quântica aliada aos poderes computacionais, que criam realidades virtuais jamais vistas. Esse ciberespaço aprisiona e faz refém o psiquismo humano, o que enseja o aparecimento de novos institutos jurídicos.

Portanto, o leitor deve compreender o meio virtual como um meio no qual as informações transitam e compreender a autonomia do espaço digital e seus novos dilemas.

De acordo com a pioneira desse novo debate, a Doutora Peck Pinheiro, ninguém colocará em dúvida a transição vivenciada pelas sociedades – a revolução digital já é realidade e está transformando as faces do mundo pós-moderno. Enquanto na sociedade industrial o importante era a quantidade de trabalho investido nos produtos/serviços que servia de paradigma de valor, na sociedade digital será a quantidade de informação e o seu conhecimento o paradigma, com consequente mudança na formação de valores dessa sociedade.

Historicamente, todos os meios de comunicação que compõem a “sociedade convergente” passaram a ter relevância jurídica a partir do momento em que se tornaram instrumento de comunicação de massa. Foi assim com a imprensa, o telefone, o rádio, a tevê e o fax.

Inicialmente, deve-se entender que a realidade virtual não tem nenhuma dependência com o mundo físico. Dessa forma, deve-se perceber a autonomia desse ambiente e consequentemente sua autorregulação sistêmica. Quem nunca teve que atualizar algum programa para que o computador voltasse a funcionar? Outra característica do ambiente digital é sua interdependência do sistema, redes que se retroalimentam, programas que precisam de outros programas para funcionar, isso mostra a complexidade do sistema cibernético.

E por último, o fator humano. Os doutrinadores Krestschmann e Wendt ensinam que “ciberdependencia” é a capacidade de fazer emergir construções culturais e sociais que se transformam em experiências inéditas. Nesse caso, a realidade virtual encontra no pensamento humano asas inimagináveis, pois, assim como o pensamento, a imaginação, a intuição e a fé são formas que transcendem o conceito corpóreo, não subsistindo no plano físico, semelhantemente ao ambiente virtual.

Em uma economia baseada na informação a proteção do direito aos dados torna-se um dos pilares da cidadania. Dessa forma, a medida da liberdade individual e da soberania do Estado será feita através da capacidade de acesso à informação. Como o direito não costuma se antecipar aos fatos, mas regular a partir das necessidades humanas e sociais, a capacidade de estabelecer normas deve refletir a realidade da sociedade, o que determinará o grau de eficácia do ordenamento jurídico.

De alguma forma, o espaço cibernético impacta nosso cotidiano. Todos testemunham o poder das redes sociais na formação do imaginário coletivo. Nesse processo evolutivo, ou revolucionário, a própria internet procurou estabelecer mecanismos de autorregulação. No início a internet era privativa de uso militar, mas, atualmente, ela evoluiu com a descentralização e a participação de inúmeros atores inseridos nos diversos mecanismos de governança global.

Esse processo evolutivo não caminhou de forma linear e harmônica, sendo um bom exemplo disso, a atual disputa em torno da tecnologia 5G, que envolve um intenso debate geopolítico. Entretanto, a ideia de cooperação mútua entre os diversos atores do mundo digital sempre foi buscada, pois não faz nenhum sentido uma rede sem padrões universais de linguagens e protocolos. A título de exemplo, o ex-presidente Bill Clinton, em 1997, decidiu que a administração dos servidores raiz e dos números do IP, deveria ser transferida para a iniciativa privada. Em 2001, uma mesa de negociação reunindo a cúpula mundial – representantes das sociedades civis, das organizações não governamentais e intergovernamentais e dos estados, entre outros – foi estabelecida visando obter regras de convivência digital.

A agenda atual sobre regulamentação do ciberespaço gravita em torno da dificuldade em se estabelecer princípios básicos relativos à natureza própria e institutos do ciberespaço. Um bom exemplo dessa dificuldade é entender que ciberespaço é um ambiente que não tem semelhança com o tradicional conceito de jurisdição. Assim como, entender que o tempo pode ser flexibilizado tendo em vista que inexiste matéria nesse ambiente. Hoje se percebe uma grande disputa no controle e fiscalização de grandes centros de armazenamento de dados – os conhecidos big datas – e em questões sobre a competência para regulamentar e aplicar as leis e suas consequências geopolíticas.

Os desafios da advocacia nesse universo digital caminham de mãos dadas com a própria ideia de cidadania e pacificação social. A regulamentação, governança, politica de consenso e soluções extrajudiciais de conflitos que focam na praticidade são cada vez mais utilizadas. O fato é que o conflito é inerente à convivência humana, e o mecanismo de solução dependerá de nossa evolução enquanto sociedade, o que torna o advogado ferramenta essencial a essas engrenagens.

Diferentemente do que muitos pensam, não se deve ter uma visão apocalítica do papel do advogado, muito pelo contrário, deve-se acreditar que a tecnologia digital irá favorecer a criatividade do causídico na busca de soluções – a tecnologia, seja ela qual for, nunca terá o poder de transformar homens em santos e de pacificar conflitos inerentes à essência humana.

Leia Mais
+ A advocacia e a Lei Geral de Proteção de Dados, por Eugênio Vasques

+ Advogar! Por Raquel Machado
O sentinela do seu direito, por Fernando Férrer

A importância da advocacia na construção legislativa, por Uinie Caminha
O que esperar da advocacia atual. Por Marília M. Peixoto do Amaral
A “adaptabilidade” do advogado, por Andrei Aguiar
O “aprendizado de máquina” na nova advocacia, por Frederico Cortez

COMPARTILHE A NOTÍCIA

PUBLICIDADE

Confira Também

União Brasil estressa Lula em Brasília e prepara jogo duro no Ceará

Trump x Musk: ameaça de deportação expõe racha na base conservadora

💸 Fidelidade em queda: só 3 deputados do CE apoiaram Lula no aumento do IOF

🧨 Base racha, centrão avança e Lula sangra em praça pública

Congresso impõe derrota ao governo e revoga novo IOF de Lula

O PDB, Partido Digital Bolsonarista: Estudo revela como o bolsonarismo opera fora da lógica dos partidos tradicionais

📑 Brasil na UTI: Parlamentares gastam R$ 100 milhões em reembolsos médicos

Mauro Benevides Filho desmonta o mito da gastança e expõe o silêncio sobre os juros

Lula aciona Ciro na Justiça, que reage: “O maior dos agentes dos agiotas“

Fortaleza lidera ranking global de cidades com melhor desempenho ambiental, segundo a Oxford Economics

Operação Teia de Aranha: o incrível ataque ucraniano com drones de US$ 600 que destruiu dezenas de bombardeiros russos de milhões

Do Axios: China, IA, nova ordem mundial e o risco de apagão geopolítico dos EUA

MAIS LIDAS DO DIA

Quem irá custear nossos sonhos? Por Francisco de Assis Vasconcelos Arruda

STF barra terceiro mandato consecutivo na presidência da Câmara de Itapipoca

Ceará investe R$ 3,4 milhões em dois novos abrigos para crianças e adolescentes

Microsoft demite cerca de 9 mil funcionários em nova rodada de cortes

Vitória avança e já tem 36% da frota com padrão Euro 6 no Ceará

Supersalários no Judiciário sobem 49% em um ano e já consomem R$ 10,5 bilhões

STJ anula relatórios do Coaf e cria precedente contra solicitações sem ordem judicial

Icapuí: MPCE exige saída de servidor com invalidez nomeado chefe de gabinete da prefeitura

2026: Novo lança General Theophilo ao Senado e Girão ao Governo