De oligarcas e oligarquias; Por Paulo Elpídio de Menezes Neto

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DE OLIGARCAS E OLIGARQUIAS 
[Algumas reflexões e evasivas prudentes sobre as oligarquias e os oligarcas]

Por Paulo Elpídio de Menezes Neto

Presidentes, interventores e governadores governaram o Ceará, como de resto as províncias e os estados brasileiros, durante o Império e no decorrer das múltiplas repúblicas que inventamos.

Durante o Império e em alguns momentos desta nossa acidentada vida republicana, os homens com insuspeitada vocação para o governo eram escolhidos e nomeados pelo Imperador ou incluídos em listas para simbolizar apropriada  e conveniente imersão eleitoral. Era o tempo das eleições a “bico-de-pena”, sob o comando das oligarquias de bem com o poder central.

Coronéis do exército e distintas figuras da Corte eram feitos presidentes provinciais e trazidos a visitar, com o ato de nomeação à mão, o lugar por onde ficariam enquanto durasse a vontade do Imperador e dos chefes e chefetes  das oligarquias locais.

Ungidos pelas boas graças do monarca,  muitos destes  respeitáveis cidadãos bacharéis  e cabos-de-guerra, foram depostos a mando dos oligarcas, sob a indiferença combinada nas Cortes do Rio de Janeiro.

Com o nascimento inesperado da República, o cenário de governos locais em comandita útil com os poderes presidenciais pouco mudou. Os partidos políticos mudariam, entretanto, de sigla, mas não  trocariam as  intenções e propósitos trazidos do passado colonial e monárquico recente e do distante.

Um modelo ambicioso de democracia
A força e o poder político das oligarquias derivam, no mais das vezes, das alianças que terminam por construir-se entre chefes políticos locais – expressão dominante do “poder local” – e o governo federal. A “Federação”, modelo adotado no Brasil como reprodução jeitosa do sistema americano, é  uma adaptação ao nosso gosto das preferências peninsulares, de acentuado viés autoritário. Na América, foi uma ideia persistente que criaria um sistema elaborado pelos “Foundng Fathers of the United States” constante nos seus esboços de origem na Declaração de Independência.

Associado aos ímpetos da Revolução francesa e à derrubada do absolutismo, o ideário dos “Fundadores” e dos ”Criadores” está nas origens mais firmes da ideia de democracia que se expandiu pelo Ocidente. “Fundadores” eram os formuladores da Declaração de Independência [1776]; “Criadores”, os que redigiram a Constituição [1787].

No Brasil, além das formulações vagas de uma “República”  a ser colocada no trono dos Braganças, os fundadores e criadores republicanos eram militares de borzeguins e elevadas patentes ou políticos, os burocratas, agentes da governabilidade…

As oligarquias brasileiras, as do Nordeste, em particular, como de resto as do Rio Grande do Sul, ganhavam fôlego e prestigio a partir de uma conexão de vassalagem com o poder central em um Estado pronunciadamente “unitário”, marca dos poderes imperiais e republicanos. Nasciam da vontade do monarcas ou dos presidentes sobre as mínimas relações provinciais ou surgiam entre as famílias bem-nascidas das Províncias em busca da bênção do governo central.

A Era das ditaduras
O ano de 1930 foi politicamente um ponto fora da curva na história política do Brasil. A pretexto de impor o império da lei (certamente em defesa da democracia que dava os seus vagidos no mundo Ocidental), os gaúchos decretaram a eleição de Júlio Prestes incompatível com as nossas aspirações, reconhecidamente democráticas. Vai daí, pegaram um trem pelas extensas  coxilhas do Rio Grande e amarraram os seus cavalos ostensivamente no obelisco da avenida Rio Branco, ali onde surgiria a Cinelândia, anunciando as boas novas de novos tempos ao estilo gaúcho.

O Ceará passaria por algumas amargas provações, breves, por sorte, à margem do poder compartilhado pelos revolucionários, empenhados na partilha do poder com os redutos locais guarnecidos pelas poderosas oligarquias.  Não durariam essas refregas de lideranças pelo compartilhamento das artes do governo. Acalmaram-se, ao fim de uma demorada porfia , com a segura proteção da Igreja, os ânimos   em conflito patriótico, até ser ungido como Interventor o nome de um professor e diretor de um colégio, o São Luiz, cidadão dado aos doutos conhecimentos do direito romano.

Em torno desse nome consensual uniram-se nobreza, clero e povo e a Polícia  Especial em uma dileta associação de forças e interesses que duraria por 15 anos.

Somos afeiçoados, como a maior parte dos brasileiros, por índole e afirmação do caráter, ao calor solidário do poder e da gente que por se entrega ao conforto dos prejulgados democráticos. Oposição sempre foi um mau negócio por estes lados afastados dos centros do poder do Estado.

Por aqui, só se rompe com o poder instalado feito governo quando ele está a cair, à vista de indícios evidentes que não escapam aos olhos atentos dos perscrutadores de nova mas oportunidades anunciadas.. Há especialistas, entre os “analistas práticos” das coisas da política, que têm o condão de descobrir quando uma oligarquia começa a dar mostras de fraqueza e quando as lideranças dão mostras de exaustão e de criatividade.

A vida política do Ceará traduz-se na sucessão de oligarquias rurais em estreita conexão com os canais do poder urbano. Elas seguem um ciclo inevitável. Nascem, vivem, crescem e morrem no abraço final das dissidências e são ofuscadas pelo surgimento de novas lealdades frescas e de novos oligarcas, em franca e prolífica  reprodução.

Assemelham-se, numa visão política atenta, a uma dinastia, grupo de poder compartilhado por uma mesma família ou por afinidades eletivas, encontradas  entre amigos de confiança e sócios de um mesmo empreendimento bem sucedido.

Pois bem, Menezes Pimentel, respeitosamente tratado por “dr. Pimentel” comandou, com apoio irrestrito dos mais distinguidos antístites da Igreja, os destinos do Ceará, sem daqui arredar o pé, nomeando e mandando prender, relaxando as penas e exilando, longe dos seus olhos, os mais impertinentes detratores da sua política. Modelou a sua própria  “imprensa”, ampliou a burocracia e de tudo ocupou-se com exemplar dedicação.

Da sua lavra não se conhece sequer uma obra relevante sobre Roma e os seus Imperadores, tampouco aos  Códigos deu atenção. Do imperador Trajano nunca chegou a ocupar-se, como deveria tê-lo feito, como cultivador do Direito. Porém, deixaria  o seu nome associado a uma biblioteca pública e, originariamente, ao arquivo público do estado. Tempos árduos  aqueles, de convívio com uma ditadura longeva, em meio à pobreza que por muitos anos se prolongaria.

Atendendo à convocação de uma breve digressão, volto ao tratamento reverencial dispensado, no Brasil, aos mais destacados líderes partidários. Na vigência das oligarquias nordestinas, essa ilustre figura de chefe e condutor da coisa pública era respeitosamente  designada como “coronel”. A patente decorria do posto da Guarda Nacional ocupado no Império por alguém da família. Filho de coronel, coronel se tornava. Já em relação aos atores poderosos, dentro e fora da burocracia dos partidos, a homenagem traduzia-se pelo uso da título de “dr.”. Dava-se com esta nomeação o reconhecimento das habilidades políticas, não necessariamente como registro de vasta cultura ou reconhecimento acadêmico. Era a marca firme do poder. Dr. Pimentel, dr. Ulisses, dr. Getúlio…

Jorge Amado gracejava, tempos depois, referindo-se aos reitores das universidades brasileiras como “coronéis-reitores”…

Estes velhos hábitos consagrados já não encontram quem os respeite. O oligarca exibe, atualmente, matrícula urbana, embora tenha umas terrinhas de herança  para chamar de suas. E votos cativos e leais. Tudo com moderação, bem se vê. As aparências comandam todos os gestos e omissões na política.

Sociologicamente consideradas, as oligarquias são feitas por  laços profundos de adesão e afeição — e recíprocas lealdades. Assim diria Max Weber, fosse vivo e passasse pelo Ceará em desobriga ostensiva e voluntária pelos arraiais eleitorais.

Ser presidente provincial, governador ou interventor, como foi o caso do dr. Pimentel, não indicava necessariamente poder de raiz. Em alguns casos, entretanto, era como se assim o fosse. Foram os Interventores do período, como a denominação sugere, o instrumento das decisões emanadas do Estado Novo.

O mecanismo autoritário da “Interventoria” no Estado Novo e os governadores biônicos
Não foram poucas as tentações autoritárias que pousaram nos quarteis ou nos Pretórios, sem esquecer o papel da imprensa que por aqueles tempos construía nos seus impressos as verdades do “deu no jornal”. As oligarquias afirmavam-se, no Brasil,  ou desapareciam na volúpia politica de ciclos de vida ativa que os interesses das elites ditavam. As ditaduras nunca se deram a cômodo com a democracia; melhor dizendo, com eleições, o que não quer dizer que democracia e eleição pertençam a uma mesma e cordata família.

O “Estado Novo” foi um lance, a brandir modernidade, contra as oligarquias paulistas que tanto incomodavam as suas congêneres gaúchas. A preocupação de Getúlio com a ditadura legal que o inspirava era não parecer um ditador, melhor seria ser aceito como o “pai dos pobres”, o inventor da classe trabalhadora no Brasil… Com esse apego pela legalidade, o Estado Novo, “novíssimo”, diriam os seus críticos, não abriria mão de uma Constituição, forma legitimadora dos novos poderes auto-assumidos.  As Interventorias funcionavam como uma espécie de concessão do poder central a concessionários designados, militares ou bacharéis, senhores das armas e das leis. Livres dos empecilhos parlamentares e legislativos, ao Interventor eram reconhecidas todo o poder e as atribuições limitadas pelo governo central, no Estado Novo.

O segundo modelo, ainda mais dominado pela ideia de legalidade, criou uma fórmula híbrida, o  mandato para presidente  da República, com base na indicação do Congresso, por sugestão do Alto Comando Militar. Não espanta, nem surpreende, tampouco,  que, atualmente, os lideres das forças progressistas (dissimulação bem engendrada das velhas designações abandonadas) recorram à  adjetivação  “relativa” para qualificar a democracia que pretendem nos vender.

No lugar das Interventorias, impõe-se, nesta fase ousada progressão democrática, o mandato de governadores não-eleitos, “biônicos”, dizia-se, à falta de melhor designação. Com o amadurecimento lento e  gradual do regime, como vaticinara Geisel,  foram restabelecidas as franquias democrática ou o que delas sobrara, de tantos anos de prática e esquecimento…

A metamorfose do autoritarismo
O dr. Pimentel, feito Interventor no Estado Novo, jamais tornaria às lides jurídicas no plano do direito romano, no apagar das luzes do Estado Novo, em 1945.  Conservaria, entretanto,  a grandiosa soma de poderes enquanto vivesse. Foi senador anos a fio, assinava a lista de frequência do Senado em seu domicílio no Rio de Janeiro.  Ia, vez por  outra, ao imponente prédio da Praça Paris, a matar saudades.

Na política cearense, o dr. Pimentel construiu alianças poderosas, reservando-se, por prudência e astúcia, precedências nunca divididas dentro ou fora do PSD cearense. De um certo modo, a influência que continuou a exercer consolidou a sua liderança na politica cearense, jamais ameaçada pelo udenismo conservador, porém carecido do voto dos cearense. É nesta quadra da vida politica cearense que assistimos à transformação do PSD tornar-se o nosso “centrão”. As oligarquias que surgiriam após a morte vaticinada  do Estado Novo lutam por esses espaços mal compartilhados. As oligarquias de esquerda em processo de postura, no Ceará, para se elegerem dobram-se a formas primitivas de negociação, próprias às oligarquias.

Na Interventoria, desfrutara, antes do retorno do país às franquias constitucionais, dos ilimitados poderes de governante, sem freios que tolhessem a sua autoridade nem a sua vontade.

De uma coisa não se pode dizer em contrário. O dr. Pimentel foi um homem probo, espécie rara hoje em dia nas artes da política; trazia a marca de “mestre-escola” das  suas origens. Com essas qualidades reconhecidas, chegaria à Cátedra e aos poderes de uma longa Interventoria. O que já não é pouca coisa.

Paulo Elpídio de Menezes Neto é articulista do Focus, cientista político, membro da Academia Brasileira de Educação (Rio de Janeiro), ex-reitor da UFC, ex-secretário nacional da Educação superior do MEC, ex-secretário de Educação do Ceará.

 

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