Por Frederico Cortez
Dentre os muitos aprendizados que a pandemia da Covid-19 nos apresentou, destaca-se o uso da tecnologia na seara do sistema judiciário brasileiro. O Poder Judiciário já vem há algum tempo inovando com ferramentas de trabalho, dentre elas o uso de videoconferência para audiências e aplicação da inteligência artificial (IA) no faseamento dos processos judiciais.
De certo que, o Aprendizado de Máquina (Machine Learning- ML) que transita dentro da IA mostra sua faceta como um encurtador de tarefas mecânicas, no interesse maior de otimizar o trabalho principal daquela função específica. A IA já está presente em vários tribunais de justiça do País, o que mostra um grande entusiasmo do seu uso com a finalidade de alcançar as métricas de julgamento, audiências, despachos e movimentações sobre as ações judiciais. Fato é que a celeridade é um dos pilares de uma justiça, o que não afasta o seu caminhar em conjunto com a eficiência. O binômio justiça/número nem sempre é uma vertente positiva para a sociedade organizada e regida pelo Estado Democrático de Direito.
A IA por meio da sistemática de Aprendizado de Máquina propõe o perfilamento do (a) magistrado (a), ao determinar parâmetros de cognição jurídica do (a) julgador (a) por meio de algoritmos matemáticos. Lembremos que esse balizamento é feito com base em atos e decisões já proferidas. Desta forma, a “máquina” aprende o padrão e assim aplica aos futuros casos análogos de uma forma genérica. Mas o senso de justiça é algo metafísico que não pode ser quantificado em cálculos matemáticos complexos. Teremos juízes robôs? Sim, eis a verdade!
Um dos brocardos mais afamados da Ciência do Direito diz que “justiça tardia não é justiça, é injustiça”. Ouso complementar que: justiça descomprometida com a essência do Direito é injustiça, também. Muitos dos projetos de tribunais já em fase de implantação por meio de plataformas digitais particulares sequer tem a presença do advogado ou advogada em seus atos. Uma verdadeira afronta e escanteamento do art. 133 da Constituição Federal de 1988. Estamos delegando a função jurisdicional para o setor privado? Ao que parece, sim!
Outro ponto que a IA não é capaz de aprender e compreender reside na sensibilidade do (a) julgador (a). Como dizer para uma máquina que determinada parte carece de um olhar social mais elevado em detrimento da outra parte? A justiça social é espécie da justiça. Na corrida de apresentar “alta produtividade”, o Poder Judiciário pode entrar num esquecimento ad aeternum da sua missão principal que é de aplicar a lei de acordo com os fatos apresentados em cada caso específico.
Um exemplo. Em 2019 o governo francês proibiu a publicação de informações estatísticas sobre a produtividade dos juízes. Isso aconteceu em decorrência do risco do perfilamento do (a) julgador (a) com base na publicização da análise preditiva, tendo por objetivo não a efetividade da justiça e sim a exploração dos resultados compilados. De acordo com o Conselho Constitucional Francês, a continuação do perfilamento dos juízes estava contribuindo para a criação de manobras estratégicas de litígio em face de determinada características individuais dos julgadores. Havendo assim no caso, um desvio do funcionamento da justiça francesa. Lá, a legislação veda que a identificação dos dados dos juízes não podem ser disponibilizada com o intuito de “avaliar, comparar ou prever” a sua conduta profissional. Toda essa mineração de dados, combinada com a modelagem preditiva e aprendizado de máquina resulta no que podemos chamar de robotização da justiça.
No Brasil, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) promove anualmente o ranking dos tribunais com base tão somente na quantidade de atos (sentenças de mérito, acordos homologados, despachos, audiências e movimentações processuais). Neste ponto, há um vácuo do órgão administrativo do judiciário nacional por não listar os mesmos tribunais premiados quanto à sua produtividade qualitativa. Julgar mais não significa necessariamente julgar melhor!