O fator Sarto, por Dimas Oliveira

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O prefeito Sarto em busca do ajuste correto de sua gestão em Fortaleza.

Resultados de uma recente pesquisa são reveladoras das dificuldades enfrentadas pela gestão do prefeito José Sarto, com implicações, caso estejam corretas, no desempenho da candidatura do consórcio capitaneado pelo PDT e PT para o Governo do Estado, influenciando também, na performance eleitoral dos três candidatos à Presidência: Lula, Bolsonaro e Ciro, na Capital.

Realizada entre 26 e 31 de março deste ano, a pesquisa do instituto Opnus, contratato pelo jornal o Povo, apontou que o nível de desaprovação do governo Sarto chegou a 57%, enquanto a aprovação atingiu 37%.

Para além destes números, 38% consideraram a gestão “regular” e 36% “ruim ou péssima”. Poucos meses antes, exatamente em dezembro de 2021, o mesmo instituto havia mostrado que Sarto era aprovado por 45% dos fortalezenses e desaprovado por 49%.

O que mais chamou a atenção foi a naturalidade com que os números foram recebidos, seja por aliados de primeira hora ou adversários. Números e estatísticas parecem corroborar, mesmo que num momento fotográfico, as avaliações presentes em qualquer recinto minimamente atento. É a estatística exprimindo sem sobressaltos o sentimento das ruas.

Sob as pesadas portas do palácio do Bispo, não se sabe exatamente como os resultados foram encarados. Pela movimentação pública diferente do prefeito após os números serem conhecidos, é provável que a correta gravidade tenha sido entendida.

Para a compreensão dos acontecimentos, importa realçar uma circunstância aparentemente secundária: o fato de que nenhum dos últimos gestores de Fortaleza contabilizou mais tempo como parlamentar do que o atual, experiência capaz de informar algumas características do estilo de governança e os resultados daí decorrentes.

Sabe-se que a esmagadora maioria dos quadros de longa vida parlamentar conferem importância às lutas e demandas sociais somente na medida em que estas se adequam aos interesses formais desse poder. E, se forem espontâneas, trazem o mal agouro de se autonomizarem das pautas da “ordem do dia”, logrando exercer sobre o parlamento uma pressão, para muitos, indesejada.

Para muitos, as lutas sociais, na tradição parlamentar, deveriam estar submetidas ao “piccolo mundo” com suas exigências imediatas e fragmentárias. Sarto, como médico, vivenciou as dificuldades do quotidiano das periferias, numa cidade extremamente desigual, mergulhando durante décadas na rotina na qual vereadores e deputados buscam as benesses dos executivos.

Não se pode esquecer, da mesma forma, que nos bairros e nas cidades o mal estar social exige de vereadores e deputados respostas rápidas e incisivas, visando resolver as expectativas das suas bases.

Nesse processo, os parlamentos aparecem quase sempre como uma longa manus dos executivos e seus cofres recheados. Lugar por excelência para a mediação de interesses sociais amplos ou estritamente empresariais. E de onde se recruta, sempre de acordo com a habilidade/lealdade de cada um e na perspectiva de seus grupos políticos, àqueles, em tese, mais propensos à gestão executiva.

Ocorre que nada é tão simples como parece. O parlamentar, ao assumir o executivo, vê-se diante de uma radical inversão. Aquele mundo, estritamente formal, onde o executivo aparecia como responsável por materializar as ações delineadas, de forma geral, pelos parlamentos, exibe seu verdadeiro e complexo rosto.

Agora, para além dos discursos sobre visões interfederativas e interdisciplinares, exige-se do ex-parlamentar cultura gerencial de alta qualidade e sofisticação. Inversão capaz de tensionar e desnudar a capacidade ou incapacidade de qualquer politico, mesmo os mais experientes, diante dos labirintos de uma gestão pública cada vez mais alinhada às demandas de ordem global, soçobrando inteiramente o glamour da posição. O brilho remanescente de uma existência inteira não será suficiente para iluminar os novos desafios.

No Brasil, os parlamentos são fortemente pautados e dirigidos pelas políticas públicas traçadas no interior dos gabinetes palacianos. Sejam estas produzidas por uma burocracia profissional ou não. Situação agravada pela ausência, quase sempre, de quadros nos executivos capazes de solucionar politicas públicas de larga envergadura.

Vale lembrar que apenas a burocracia federal acumulou o suficiente para compensar a fragilidade de presidentes caso estes não possuam um staff experiente ou qualificado. Nos estados e municípios brasileiros, carentes dessa mesma qualificação, o problema se agrava, exigindo dos eleitos o recrutamento de quadros do mercado. Muitas vezes sem alinhamento ideológico. Fora desse barco, poucos estados, o Ceará aí incluído, lograram desenvolver uma burocracia minimamente profissional e antenada às exigências globais.

Em Fortaleza, a presença de vários secretários do ex prefeito Roberto Claudio nas principais posições gerenciais é uma clara evidencia dessa fragilidade. Muito mais do que os celebrados discursos que procuram realçar a prova de uma saudável permanência de projetos que deveriam sofrer solução de continuidade.

De qualquer forma, Sarto conseguiu com essa solução não apenas eclipsar a inexistência de um grupo próprio, mas também subtrair-se de uma armadilha comum em todo país, justamente a de aparência mais óbvia: trazer das universidades acadêmicos para os postos de gestão. Atitude que geralmente significa, com raras exceções, uma perda dupla, principalmente quando se foca em consultores.

No caso, perde-se o consultor, que ao assumir posições executivas, deixou de existir, e a do próprio gestor, cujas habilidades requerem força e pressa nas decisões, um tempo estranho ao consultor tradicional.

Mas, ainda é preciso sublinhar que existe uma fronteira incomunicável entre ex-secretários, requisitados pelo espírito de preservação de um mesmo grupo político, e a manutenção ou superação real de uma lógica anterior bem sucedida. Nesse caso, apenas os corpos são mantidos em seus postos, mas as almas, subtraídas de uma dinâmica anterior exitosa e não compreendida, já não os habitam.

De tudo o que foi dito, tem-se a impressão de que Sarto assumiu a Prefeitura de Fortaleza num tempo posterior aos seus desejos, como se tivesse sido impelido a uma tarefa ou missão a ele extemporânea. Ou como se a mesma tivesse tarde lhe alcançado. Não deve ser simples, nessas circunstâncias, conviver com as esperanças e necessárias pressões para que seu governo reaja e diga a que veio.

Tal raciocínio requer, no entanto, uma correta ponderação relacionada ao fato de que a performance da atual administração não atrapalha o consórcio dos partidos no poder, mas deixa de colaborar, na medida e na urgência das necessidades atuais.

Vale lembrar que Fortaleza continua essencial na definição de disputas que se acercam com a avidez das decisivas batalhas. E nada menor pode ser dela exigida. Para a população, o que menos importa é o jogo das lealdades palacianas e seus previsíveis rodízios, onde cada contendor ou político tem seu dia de glória. Um modelo que se impôs, mas que tem cada vez menos tempo de existência.

Sarto, nessas difíceis circunstâncias, deve reagir e fortalecer a frente politica em gestação. Para esse desafio, conta com suficiente experiência para interferir positivamente na construção de pontes, inclusive, com aliados de vários espectros.

Deverá ajustar seu movimento na perspectiva de fortalecer as lutas eleitorais que se avizinham. Deve lembrar que sob o sólido piso das vitórias que lhes foram generosas no passado esconde-se sempre um frágil cadafalso, quando o futuro não é compreendido ou francamente subestimado.

Dimas Oliveira é advogado, analista de política e articulista do Focus.

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