A nova ordem constitucional no pós “Capitólio brasileiro”. Por Frederico Cortez

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Frederico Cortez é advogado, sócio do escritório Cortez & Gonçalves Advogados Associados. Especialista em direito empresarial, direito digital, propriedade industrial e intelectual. 

Por Frederico Cortez

O lastimável episódio concentrado na invasão das sedes do Supremo Tribunal Federal (STF), Congresso Nacional e Palácio do Planalto conhecido como o “Capitólio brasileiro”, sendo esse momento ímpar desde a redemocratização do Brasil com a edição da Constituição Federal de 1988 e que traz uma nova ordem constitucional. Assim, o Estado atribui agora uma nova interpretação em nome da altivez da democracia brasileira.

A data de 8 de janeiro já se encontra marcada historicamente como o dia em que a democracia brasileira teve seus pilares ameaçados por vândalos e verdadeiros criminosos, que em nome de uma proposta antidemocrática pilhou e destruiu elementos representativos da nossa República. Claro que para todos que ali assistiram, perplexos e abismados com tamanho desrespeito e destruição ao patrimônio do povo brasileiro, algo deveria ser feito de imediato para coibir qualquer derivação para outras manifestações antidemocráticas nos dias seguintes.

Até então, vigorava no País uma ordem constitucional de presunção de inocência absoluta. Desde então, estamos presenciando uma mutação da Constituição Federal que age prontamente em nome da manutenção do Estado Democrático de Direito. Assim, direito de reunião e livre manifestação a depender dos seus atores passam agora a ser monitorados, impedidos e até mesmo investigados como a indicação de potenciais criminosos para o risco à democracia brasileira.

A começar, o então governador Ibaneis Rocha (MDB) foi afastado por uma inédita decisão monocrática do ministro Alexandre de Moraes, que incluiu tal ato dentro no inquérito nº 4879. Tal INQ 4879 diz respeito à investigação de atos antidemocráticos, instaurado em agosto de 2021. Repisemos que, a decisão de Moares não foi provocada pela Procuradoria-Geral da República e nem por outro órgão competente. Pela primeira vez no Brasil, um governador eleito democraticamente foi retirado liminarmente do seu cargo por um membro do STF, ausente ainda a chancela de todo o colegiado constitucional.

Acontece que desde 2017, o próprio STF relativizou a necessidade de autorização do legislativo estadual para o afastamento de governador (a) de estado por decisão ainda que monocrática advinda de ministro Superior Tribunal de Justiça (STJ), Corte judiciária essa competente constitucionalmente para tal mister. Claro que para isso, há a necessidade de uma investigação em andamento e mediante a provocação por meio de uma denúncia ou queixa e instauração de ação penal para a decisão de tal medida cautelar (afastamento), o que não ocorreu com o case “Ibaneis Rocha x Capitólio brasileiro”.

No caso do último dia 8 de janeiro em Brasília, a caneta do ministro Alexandre de Moares afasta Ibaneis Rocha do Executivo do DF na data seguinte,9, quando somente em 10 de janeiro é que a Procuradoria-Geral da República (PGR) representou pelo seu afastamento cautelar de Ibaneis Rocha junto ao STF. De bom grade lembrar que esse trágico acontecimento ocorreu durante o recesso do Poder Judiciário, onde tal hipótese de ataque jamais fora vislumbrada e nem sonhada por nenhum legislador ou Corte judiciária (STJ e STF). Assim, caiu na regra de que “situações extremas exigem medidas extremas”. Daqui por diante, há um “risco” real da Justiça pender sua simpatia mais por movimentos de combate aos denominados “atos antidemocráticos” (sem uma definição ainda do ponto de vista da Lei) em prejuízo das pessoas que fazem manifestações ordeiras e pacífica de críticas ao atual governo do presidente Lula.

Importante frisar que, para o bem da efetividade da democracia é imperioso separarmos as duas métricas para a aplicação dessa nova ordem constitucional, quais sejam: os que desacreditam no resultado das eleições (atitude antidemocrática) e os que discordam pacificamente (atitude democrática) das medidas do novo Governo Federal que se iniciou em 1º de janeiro.

O medo foi real e gritante para todos nós, onde há mais de 30 anos já acostumados com a liberdade e democracia que sempre defendemos quanto ao direito de ir e vir e liberdade de reunião sem nenhum recorte em suas arestas. Assim, o fato do “Capitólio brasileiro” já é um precedente autorizador para medidas “extremas” e que gravitam fora do conteúdo constitucional expresso, mas tendo o seu cabimento dentro dessa nova lente de interpretação. Com isso, cabem às autoridades legais constituídas dar a palavra final para instauração de inquéritos e tomada de decisões cautelares das mais diversas como uma armadilha contra o fantasma do “Capitólio brasileiro”, que passa agora a nos assombrar diuturnamente como uma prematura condenação perpétua ad aeternum. Outro fato inconteste e inelutável é que a ala da “Direita” não mais carrega o seu constitucional benefício da dúvida e do contraditório de antes, devendo agora ser um personagem manjado e corriqueiro em investigações e inquéritos pelo Brasil a fora.

Ainda é cedo para avaliarmos os reais efeitos dessa derivação da nova aplicação da Constituição Federal em nome do combate aos “atos antidemocráticos”, onde se justifica para a manutenção do Estado Democrático de Direito. Questões como juiz natural, duplo grau de jurisdição, materialização e autoria do fato antijurídico e individualização da pena, a partir de agora (“Capitólio brasileiro”) assumem contornos majoritários aos olhos de uma “legislação” ainda não muito clara. Presumo assim então, que esse papel deva ser tutelado pelo Congresso Nacional a fim de dirimir qualquer resquício de incerteza sobre a legitimidade de abertura de inquérito, processamento, julgamento e aplicação da pena para as desprezíveis  e reprováveis condutas “antidemocráticas”.

A nova ordem constitucional já tem sua força definida para derivar seus efeitos para outras instâncias do Poder Judiciário, que em nome da prestação da efetividade jurisdicional do Estado contam com a chancela do STF para a permanência do Estado Democrático de Direito. O enfrentamento se alarga para a potencialidade do fato e não mais para a sua concretude. De outra banda, um estado de desconfiança se instala ao mesmo tempo pela omissão dos conceitos para essa nova ordem constitucional brasileira.

*Crédito foto Constituição Federal: Jefferson Rudy/Agência Senado

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