Sobre as gerações ansiosas – tudo no plural; Por Augusto Lessa

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Essas palavras são dedicadas às pessoas que não existem, isto é, eu, você e mais 7.999.999.998 de habitantes SUBvivendo neste planeta. Comigo, sobre a tampa do vaso sanitário, dentro do banheiro, meu telefone celular – ou smartphone, ou iPhone, ou sei lá o que diabo mais – recebe e transmite para o mundo a nova verdadeira vida, a que não existe, mas dentro da qual vivemos (vivemos?).

Mas por que esse aparelho está comigo no banheiro? É porque alguém pode ter deixado uma mensagem urgente para mim. Meu banco pode me fazer uma cobrança. A pessoa com a qual convivo afetivamente pode me deixar uma palavra de amor, e se eu não retornar serei um homem só – como se já não o fosse há muitos e muitos anos.

Esse aparelho também pode estar comigo porque não sei mais existir, normalmente, sem esse retângulo grudado a mim. No seu interior está o mundo em que vivemos. Ou seja, somos um grande nada fingindo uma aparente existência que não possui qualquer substância; não possuimos mais células. O elementar constitutivo da nossa estrutura biológica foi substituido por pixels, e a nossa vontade de poder está entregue aos quereres desta nova e definitiva peça criada para o progresso da humanidade. KKKKKKK (como se sabe, isso é um sorriso; quer dizer: estou bem).

Lá no meu quarto, sobre uma coisa antiga chamada cama, há uma outra coisa antiga chamada livro, que tem por título A Geração Ansiosa – Como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais’. Deveria comentá-lo, como é a minha função, mas parei de lê-lo quase na metade para tentar entender esse subtítulo que fala de “infância hiperconectada”.

🔓 Jonathan Haidt participa do Fronteiras do Pensamento - RascunhoO livro vem bem, até aqui, mas estou indignado com o seu direcionamento específico a essa infância. A geração ansiosa está limitada a ela? Não, senhor Jonathan Haidt, não apenas crianças ou adolescentes. Quero considerar que, com todo seu temor, o senhor ainda tenha esperança de que essa infância à qual dirige o livro tem algum tipo de salvação. Pensando assim, dou-lhe razão, mas tiro-lhe a razão quando o senhor isola o resto da humanidade da hiperconexão ligada especificamente aos jovens.

As gerações não são blocos isolados que se criam e se extiguem sem conexões. Todas se interligam e devem conviver dentro do mesmo espaço, ainda que com idéias e ideais totalmente diversos (essa é a graça da vida – ou era).

O que está a acontecer com crianças e jovens –  e o livro é bastante honesto, até aqui, nessa avaliação – contamina todas as demais gerações. A interconexão doentia não é exclusividade de jovens. Todos estão transtornados, mesmo que de modos distintos. Isolar os jovens, torná-los alvo principal desse processo é cegar-se ao fato de que os mais velhos não estão sendo afetados por isso tudo.

Estão, e de modo igualmente cruel. Redes sociais e todos os componentes ligados à internet danificam, igualmente, adultos e velhos, de modo singular porque temos uma geração nascida com o componente digital preso à alma, como uma extensão do corpo, e uma geração que veio do analógico e afundou-se, sem pedir, no mundo digital. Se pelo aparelho celular (vou chamar assim) a geração mais nova é danificada pelas redes sociais e seus acessórios, que se sofisticam a cada dia, as outras gerações são obrigadas a conviver com elas violentando seus modos anteriores de ação.

Um jovem consegue, em segundos, estabelecer uma solução para um problema digital;  alguém mais velho, cuja linguagem está vinculada aos dois modos de ser, tem extrema dificuldade de manter contatos e, com isso, triplificar suas ansiedades. Tentar fazer uma transação bancária das mais simples, que para os jovens é de extrema banalidade, gera um conflito incomensurável a quem contatava caixas de banco pessoalmente. Enquanto isso isola o jovem do contato humano, tornando-o indiferente à necessidade da presença das outras pessoas, deixa o mais velho alheio às novidades diárias surgidas nos aplicativos de qualquer espécie.

Uma mãe mais humilde (ou não) que matriculava seu filho presencialmente, hoje tem uma relação truncada com um aparelho com o qual não tem a menor familiaridade. Os erros causados por esse novo estilo de vida causam prejuízos enormes. Tente se comunicar com o colégio do seu filho para falar com alguém da area pedagógica e marcar um encontro e ver o desempenho do seu filho. A ligação não será completada e a relação não terá êxito. Tecle o 0 e volte ao menu principal.

Jonathan Haidt está preocupado com o índice altissimo de ansiedade e outras doenças mentais e suicídios, fatos constantes entre jovens. Por horas, parece estar em desespero, e deve estar. Não sei mais a diferença entre um autista clínico e uma moça ou rapaz que apenas seja viciado em redes sociais. Ninguém sabe mais falar. O volume de palavras em seus vocabulários é cada dia menor e, muitas vezes, não passa de grunhidos. Nas redes, são tagarelas e usam uma escrita parecida com o estilo cuneiforme, legíveis apenas por eles.

O senhor Haidt apresenta uma série de iniciativas que deveriam ser tomadas pelos adultos (já contaminados pela ansiedade) junto a suas crianças e jovens. Todos me parecem de uma infantilidade incomum a um homem cujo conhecimento social é consagrado. Proibir celulares em escolas, ou coisa parecida, é de infantilidade gigantesca.

Essa Lei Seca é outro desastre tático sem precedentes. Mais idiota me parece estabelecer idades para acesso a redes sociais. Quem acha isso eficaz é aquele que não imagina o que um menino de 10 anos é capaz de fazer com um aparelho desse nas mãos. A grande brincadeira é correr para matar alguém que não existe num espaço inexistente – mas com a mesma emoção de quem mataria de verdade. Essa é a ludicidade desta Era. Tudo bobagem de sonhador ludita – dizem nossos adorados jovens.

O livro A Geração Ansiosa – Como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais’ é muito útil e – não sei – necessário. Mas, até agora, me parece quixotesco.

A verdade é: estamos TODOS envolvidos numa encrenca danada.

Jovens e crianças e adultos e velhos estão cada dia mais infelizes. Há de vir muita morte pela frente. Muita desumanidade já se manifesta. O isolamento é grande entre adultos e jovens, entre jovens e crianças, entre jovens e jovens. Ainda não terminei de ler o livro, mas me apressei nisso porque é necessária essa base. Não li nada concreto sobre o que fazer. Creio qua não há o que fazer nem há a quem salvar. Penso que esse negócio de salvar é complexo: ninguém pode salvar quem não sabe que está em perigo.

TÍTULO: ‘A Geração Ansiosa – Como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais’.
EDITORA: Companhia das Letras
PREÇO: R$ 74,90

Augusto Lessa é paraibano de nascimento. Nasci em 2 de março de 1951. Estudei Direito e ciências humanas nos anos 70. Estudei outras coisas que terminou numa fixação em comunicação – rádio, jornal e TV, fontes de onde tirei – honestamente – o pagamento dos meus boletos. Inscreveram-me sem que soubesse (longa história) e ganhei um concurso literário em 2004 (ou 2003), aqui, em Fortaleza, com O Acompanhante do Outono, novelinha que também foi publicada em Uppsala, Suécia. Não lembro em que concurso de literatura cearense isso se passou, nem quem o promoveu, mas ganhei. Escrevo porque é a única forma de vida que reconheço como real. Escrevo mas não publico. Hoje, trabalho na coordenação de parte do setor de comunicaçção da Casa de Vovó Dedé, outra realidade da qual não abro mão. É só.

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