[Alguns exercícios intercorrentes de ironia politicamente bem intencionada. Ria, se puder.]
Já havíamos comprado a Portugal a nossa Independência. Indenizamos a Inglaterra pelo reconhecimento do Brasil como país no concerto das nações.
Ao correr dos séculos, não desistimos desta estratégia diligente, embora dispendiosa, de pagar pelo que é nosso.
Ao despedir-se do Trono e das reservas do Erário, em demanda do embarque para Paris, Pedro II deu uma passada pelo Banco do Brasil e levou em seu bornal de exilado as reservas acumuladas em moeda estrangeira nos cofres do estabelecimento. Estava aberta a prática arrecadatória que se estenderia, tempos à frente, e a íntima cumplicidade público-privada que se tornou o sustentáculo da nossa democracia.
“Compramos” o Acre graças a penosas tratativas diplomáticas (o embaixador Amorim não trouxera, ainda, por aqueles tempos, as suas habilidades de negociador).
Despachamos dois imperadores de volta à Patria-mãe, um em cumprimento aos caprichos das Cortes portuguesas; o outro, por decurso de prazo da monarquia, a golpes de espada, celebrados para a posteridade na estátua equestre de um marechal, a proclamar a República, a desoras, em uma noite de insônia, no Campo de Santana.
Por sorte, sempre tivemos um marechal disponível a nos proteger nestes momentos de extremo risco.
Aos poucos, entretanto, seguindo as tendências de solidários sentimentos democráticos, cada dia mais visíveis na nossa sólida cultura republicana, a política foi-se monetizando. Os governos, forrados de meios e de recursos eleitorais, fixaram os limites para o exercício da cidadania. Foram estabelecidas regras e os instrumentos para controle da nossa contabilidade eleitoral, de modo que os votos fossem contados e somados com propriedade e correção.
Os partidos multiplicaram-se exponencialmente, na medida justa das imposições de uma democracia “radical” a que aspiram alguns pensadores políticos brasileiros. Ou de uma democracia “relativa”, equilibrada e regulada como, aliás, devem ser as democracias modernas.
No Brasil, são cerca de 32 siglas, ricas e fantasiosas na sua denominação. Crescem, na velocidade de uma complexo processo de reprodução por cissiparidade. Alimentam-se de fundos engordados com dotações federais que, somados ao fundo eleitoral, compõem o maior suporte financeiro que fazem de uma democracia, o ágil instrumento — e convincente — de um governo confessadamente democrático…
Somos uma democracia forte e rica, de ideias e de reservas orçamentárias.
Aplainamos os caminhos do nosso percurso democrático, forrados de leis e regramentos que nos permitem gerir o maior sistema político do Ocidente, em eleitores habilitados, voto obrigatório, protegido pelos controles de uma contabilidade eleitoral eficiente, reconhecidamente legal e legítima.
O capitalismo para surpresa dos que desejam e esperam o seu fim, demonstrou que sabe administrar as suas contas correntes em haveres e bens e como, valido dessas habilidades, sabe reinventar a democracia, a ideia de povo e de nação.
Não parece pouca coisa.