[Ou a restauração da separação dos Poderes do Estado]
Não pode parecer normal ou meridianamente razoável ao entendimento das pessoas de boa fé que se multipliquem os conflitos no plano das competências institucionais no Brasil e que a todos pareçam fatos corriqueiros.
Os poderes, assim constituídos podem ser percebidos pelos brasileiros, e as suas competências, definidas pelas regras constitucionais instituidoras. A imagem retórica dos “freios e contra-pesos” fixa como são exercidos os poderes do Estado e à quais instâncias compete exercê-los eficazmente.
É razoável, forme-se conosco a suspeita de que o cenário aberto à nossa frente — fatos, eventos inusitados e reveladores, ainda que destituídos de racionalidade e lógica — , não tenha sido armado, aparentemente, por puro acaso.
A realidade que nos cerca, no Brasil, neste presente enorme e inquietante, não acompanha um grau de racionalidade tão equilibrado e coerente quanto parece.
Conflito entre Poderes
O conflito entre os poderes assume no Brasil dissintonia preocupante. Ele traz a mostra reveladora da distância que se vai abrindo entre as leis e o poder jurisdicional assumido, coletiva e singularmente pelos juízes. Mas não é só este alerta que muitos deixam de perceber no quadro das contradições apresentadas entre as funções praticadas pelo Estado.
Alguns juristas apontam o que se mostra como um evidente contra-senso, a construção da democracia de acordo com o direito; e não o “fazer” o direito a partir da democracia.
Os “novos” juízes e os limites do poder jurisdicional
Não nos propomos a aprofundar estas contradições que armam a vontade e a decisão dos “novos” juízes. Faltam-me os olhos de jurista, ainda que me acuda a curiosidade de cientista social, “politicólogo” diriam os franceses. Não é possível, entretanto, deixar sem um comentário pertinente (impertinente, que dela) sobre as ilimitadas funções que foram, ao longo das cinco últimas décadas, acrescentadas à capacidade jurisdicional do poder judiciário. Sobretudo, as precedências exercidas para agir sobre a revisão dos dispositivos constitucionais, à margem da lei e da vontade do povo. Este o ponto.
Negociação de competências entre os Poderes
Neste quadro abusivo de omissões negociadas entre poderes republicanos de uma República demasiadamente “republicana”, ressaltam ações “negociadas”, com as manchas indeléveis de uma visível cooptação, que induzem o poder legislativo a abrir mão de competências constitucionais próprias, enquanto o judiciário põe-se a ampliar, sem limites, a sua precedência incontestada sobre a produção das leis, a sua revisão intempestiva e a imposição do seu cumprimento.
Ao executivo, dono da bola e das reservas do erário, foram conferidas, por omissão e conveniência compartilhadas, a capacidade de legislar administrativamente, sob amparo e indulgência, no resguardo de interesses comuns entre juízes, parlamentares e agentes públicos. Com apoio, é bem de ver, da mídia, consorciada em torno das benesses inesgotáveis do Estado.
Na apreciação de situações aparentemente irrelevantes, como se fossem pequenos desvios de conduta, impõe-se acuidade e percepção analítica para que os efeitos que se projetam sobre o sistema político e a sociedade brasileiros não sejam confundidos com as suas causas. Não são as leis, afinal, que “criam” a democracia; ao contrário, é a democracia que assegura leis estáveis e o equilíbrio das instituições.
Ruptura e interesses negociáveis
Desde 2018, com a confrontação entre forças políticas, quiçá ideológicas, cujo poderio era até então desconhecido, vem-se aprofundando significativamente a ruptura que só cresce nestes anos recentes, entre “progressistas” e “liberais”. Uso estas designações de fantasia à falta de qualificativos mais precisos, que a mim escapam, para caraterizar as forças políticas e ideológicas que se confrontam e contradizem no Brasil, atualmente.
O “Sebastianismo” à brasileira: o novo populismo progressista
De lá para cá, com uma breve prévia do “bolsonarismo” e o sebastianismo que trouxe Lula de volta ao poder, a clivagem entre forças que se extremam em posições antagônicas, empurradas por um populismo atuante e cego, cresceu descontroladamente.
Se a muitos observadores preocupa a visão de uma crescente e ameaçadora “desinstitucionalização” do país, acrescida de uma notória desorganização dos princípios básicos da governabilidade, a restauração da independência e da autonomia dos poderes do Estado impõe-se como medida inadiável para a consolidação da democracia no Brasil. É disso, afinal, que se trata.