A transição energética para um Ceará justo e inclusivo. Por Rômulo Alexandre Soares

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A transição energética é o grande desafio de uma sociedade global eletrointensiva. O aumento das temperaturas médias na terra, a maior frequência de eventos climáticos extremos e a elevação do nível do mar estão relacionadas à emissão de gases de efeito estufa, oriundos, em grande parte, da queima de combustíveis fósseis para a geração de energia.
O World Summit on Energy Transition (WSoET), que será realizado no Ceará nos próximos dias 28 e 29 de novembro no Centro de Eventos, reflete esse ponto de partida que demonstra a profunda conexão entre transição energética e mudanças climáticas. Aliás, o mesmo que guiou a recente reunião do G20, com o apoio do Pacto Global, que apontando os princípios que devem guiar os esforços globais, dentre eles, a erradicação da pobreza energética, o diálogo social e a promoção de soluções tecnológicas acessíveis.
Esta relação entre emergência climática e uso de fontes renováveis de energia coloca o Ceará numa posição privilegiada, fruto das suas óbvias vantagens locacionais e trajetória de aproveitamento do sol e vento há mais de três décadas. Como diz a nossa campeã de kitesurf Estefânia Rosa, “o Ceará tem vento para dar e para vender”.

Eu já era advogado, quando sai da faculdade de Direito há exatos 30 anos, para testemunhar essa oportunidade. Eram da antiga estatal Coelce os três aerogeradores implantados na ponta do Mucuripe, na segunda metade dos anos 1990, anunciando os bons ventos do Ceará. Poucos anos depois, o PROINFA, lançado na transição entre os governos de Fernando Henrique e Lula, atribuiria ao Ceará uma importante fração dos projetos eólicos contratados no início do milênio. Começava ali uma jornada bem-sucedida ligada à geração de energia limpa. Não demoraria muito para uma segunda vantagem locacional ser revelada: a produção de energia por fonte solar.
As energias renováveis não trouxeram para o Ceará apenas a oportunidade de gerar eletricidade, mas também de integrar o estado a uma rede de alcance global que abrange empresas líderes em outros mercados e que, fazendo negócios no estado, investiram capital. De fato, o Ceará não atraiu apenas empresas de geração de energia, mas também outros atores dessa cadeia produtiva, como fabricantes de pás eólicas, aerogeradores, softwares e outros serviços especializados. O cluster de energia do Ceará já nasceu global, com a atuação de multinacionais europeias que já investiam na geração de energia eólica e viram no Ceará uma oportunidade de aumentar a escala de seus negócios em um estado integrado a um país e mercado continentais.
É nesse contexto que, há cerca de dois anos, decidiu-se investir na proposta de tornar o Ceará o hub brasileiro do hidrogênio verde. Em dezembro de 2021, num trabalho realizado pela McKinsey, o estado foi o primeiro a reunir, no Brasil, o ecossistema de energias renováveis para elaborar um roadmap que permitisse — à terra que, em 1997, implantou sua primeira usina eólica, e, em 2011, sua primeira usina solar — produzir a primeira molécula de hidrogênio verde ainda em 2022.
Se hoje se fala de hidrogênio verde no Ceará como uma oportunidade associada à transição energética, é importante dizer que nada disso teria sido possível sem essa jornada de quase 30 anos, que pavimentou um ambiente e governança favoráveis à atração de novos investimentos para gerar energia limpa. A proposta de criação de um hub de hidrogênio verde no Pecém trará uma nova etapa no processo de internacionalização e amadurecimento desse cluster de energia, especialmente a partir da atração de outros investimentos em logística e transporte de amônia para a Europa, e da associação da produção de hidrogênio verde à geração eólica no mar.
No entanto, a ambição em se posicionar como um importante ator na transição energética, deve ser marcada pela adoção de uma abordagem que vá além da mera expansão das fontes renováveis. Como será discutido no WSoET por um seleto grupo de stakeholders que vem de mais de 20 países espalhados em quaro continentes, as estruturas sociais, econômicas e de governança precisam evoluir para sustentar essa posição e garantir que os benefícios da transição sejam amplamente distribuídos. A transição deve ser inclusiva, gerar empregos, fortalecer as cadeias produtivas locais e promover o desenvolvimento econômico regional de forma equitativa. A transição exige políticas públicas que assegurem justiça social, proteção aos mais vulneráveis e a criação de empregos de qualidade. O Ceará tem despontado como um exemplo de resiliência e inovação na transição energética. A instalação de parques eólicos e solares e a proposta de criação de um hub de hidrogênio verde reforçam a ambição em se tornar um cluster global de energia limpa.
Em outras palavras, é vital que a transição energética, que move empresas, governo estadual, entidades de classe e academia, tenha como propósito, além de produzir excelentes resultados para seus investidores e para o clima na terra, também promover uma transição energética justa. A transição não pode aprofundar o fosso entre parcela da sociedade que aproveita a eletricidade e a outra que sequestram carbono. Isso vale à escala subnacional, nacional e global. O recente lançamento no Ceará, do Programa Renda do Sol, que visa contribuir com a redução da pobreza por meio da geração de renda pela microgeração distribuída de energia solar residencial, é um bom exemplo dessa construção concertada entre diversos atores públicos e privados.
Para uma sociedade eletrointensiva, não há outros caminhos: agir para mitigar os impactos das mudanças climáticas, adaptar-se e se revelar, num horizonte de 25 anos, bem-sucedida em não exigir a todos um Planeta B — aliás, que ainda não existe.

Rômulo Alexandre Soares, advogado, sócio da firma APSV Advogados e co-fundador do Instituto Winds for Future

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